quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

A MORTE DA CONSCIÊNCIA (POESIA NO ESTÔMAGO)

“Já ouviu falar daquele louco que acendeu uma lanterna numa manhã clara, correu para a praça do mercado e pôs-se a gritar incessantemente: “Eu procuro Deus! Eu procuro Deus!". Como muito dos que não acreditam em Deus estivessem justamente por ali naquele instante, ele provocou muita risadas... “Onde está Deus!”, ele gritava. “Eu devo dizer-lhes: nós o matamos – você e eu. Todos somos assassinos... Deus está morto. Deus continua morto. E nós o matamos...”

Ano novo. Nada novo. Praça do delírio. Corvo na minha língua. Curvo no seu dorso. Minha saúde ameaçada e isso não é poesia nem viagem literária. É fato. Abandonei o lugar de conforto e vivo submergido nos turbilhões aristocráticos da imobilidade humana. perambulo em infinitos bares, igrejas, reuniões filosóficas a fim de encontrar ventura e abrigo. Tudo que tinha pra dizer já foi dito. Amei. Amei. Ah como amei! Bebi também. Agora quero descansar; um novo lugar... A cerveja gelada no espaço, a agonia esquecida nos botequins da ilusão.

Essa é a última postagem do meu blog. Tudo não passou de águas turvas. Talvez um dia animo e volto a cuspir via rede minhas inquietações... No momento quero encerrar minhas atividades e me entregar ao ócio; -- o capitalismo tolheu meus membros e destruiu todo meu intelecto; não deixarei de escrever, só cansei da exposição e me desnudar por completo dessa maneira tão visual.

Encerro esse blog com um texto do grande poeta marginal Lautréamont:

"Hoje, sob a impressão dos ferimentos que meu corpo recebeu em diferentes circunstâncias, seja pela fatalidade do meu nascimento, seja por minha própria culpa; desalentado pelas conseqüências da minha queda moral (algumas dentre elas aconteceram; quem poderá prever as outras?); espectador impassível das monstruosidades adquiridas ou naturais, que decoram as aponevroses e o intelecto de quem vos fala, lanço um prolongado olhar de satisfação à dualidade que me compõe... e me acho belo! Belo como o vício de conformação congênito dos órgãos sexuais do homem, que consiste na brevidade relativa do canal da uretra e na divisão ou ausência da parede inferior, de modo que o canal se abra a uma distância variável da glande e por baixo do pênis; ou, ainda, como a verruga carnuda, de forma cônica, sulcada por rugas transversais bem profundas, que se ergue na base do bico superior do peru; ou melhor, como a seguinte verdade: "O sistema de gamas, modos e encadeamentos harmônicos não repousa em leis naturais invariáveis, mas é, ao contrário, conseqüência de princípios estéticos que variam com o desenvolvimento progressivo da humanidade e que continuarão variando!"; e, principalmente, como uma corveta encouraçada com torreões! Sim, sustento a exatidão da minha afirmação. Não tenho ilusões presunçosas, orgulho-me disso, e nada ganharia em mentir; de modo que, quanto ao que eu disse, não deveis vacilar em acreditar-me. Pois, como iria eu inspirar horror a mim mesmo, diante dos testemunhos elogiosos que partem da minha consciência?"

Agradeço a todos que leram e comentaram meus textos.
DIEGO EL KHOURI

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

A POESIA COMO ARMA DE REVOLTA



“Poesia é a subversão do corpo”. Nada mais que essa sanguessuga chula de luvas de pelica. Baudelaire nos deu a receita. Olhos embriagados, cabelos em desalinho; a poesia contundente é aquela que absorve no ritmo e na forma uma maneira de contaminar o que já é sujo, ampliando a consciência para novos horizontes, abandonando o que não é sentimento para um movimento que seja apenas emoção, nada de razão.

A poesia sempre teve essa função (se é que tem alguma função) de destruir muros, quebrar tabus, sensibilizar a alma e ferir os inimigos. Assim podemos mudar a visão que se tem de arte – em vez de curar cutucar a ferida - . Desde os trovadores até os fesceninos foi assim. Quando os trovadores eram solicitados muitas pessoas acreditam que era para exaltar a mulher desejada. Mas não. Muitas vezes eram pagos para ridicularizar, satirizar, humilhar algum opositor ou coisa parecida. Por isso Octávio Paz está certo ao mencionar a frase que se encontra no começo desse ensaio. “ A poesia é a subversão do corpo” e o sexo uma válvula de escape fantástica.

Como um megalomaníaco-profeta o poeta se vê naufragado no abismo, um abismo sem volta, perdido e esquecido nos vãos da linguagem. Abstração e delírio. O caminho de Dante nos inframundos mas com as portas do paraíso fechadas. O poeta é um excluído por excelência, um amaldiçoado, entregue à mercê dos carrascos do universo. Dessa fibra que exalta a pele trazendo ao coração pitadas de volúpia e dor. Daí nasce o poema. Desse estado de marginalidade, ou seja, da indignação, resultada do vazio e da brutalidade do mundo pragmático e sobretudo hipócrita. O artista é um ser dilacerado entre os prazeres da carne e a vontade de elevar-se espiritualmente. Assim como o Fausto do Goethe. É um anjo decaído, um insatisfeito de marca maior.

Um bardo sem indignação é como um terrorista sem armas. Não há nenhuma diferença nesses dois lavradores. São todos destruidores. Porcos imundos de uma luxuosidade irônica e cadavérica. Sombras amarguradas de egoísmo e tédio. Passionais místicos, místicos passionais. Filósofos suicidas, rebentos de Nietzche. Palhaços que se mostram e se desnudam e se molestam em praça pública afim de que os demais se regogizem e lancem gargalhadas ao Todo, mostrando que a poesia é um circo de clowns bêbados e sem graça, superiores, medíocres. O terrorista e o poeta: seres de semelhança única, cada um vai desmoronando sua parte. Um no campo objetivo, outro no subjetivo. Porém aquele que verseja é superior. Ele destrói para vislumbrar algo, transcender, elevar a consciência, purificar, mesmo que seja pelas vias sexuais. Caminhar entre o lixo e o luxo. O sublime e o torpe. O carnal e o espiritual. Vivenciar a existência ao lado dos paradoxos.

A arte não constrói nada, apenas destrói matizes. Escrever desesperadamente, desenfreadamente ou perder-se no Nada, fechar os olhos, cessar a voz , o silêncio eterno... Rimbaud no auge dos seus vinte anos de idade abandonou a literatura para viver uma vida aventurosa, conturbada, selvagem e mística. A beleza enviesada e corcunda. A revolta nas artes e sobretudo na poesia é uma maneira de limpar a sujeira vivente, mesmo que seja apenas interior. Em vez de dar a outra face esbofetear o inimigo e cuspir caudalosos caldos de ironia e perversão. Transformar o que é podre em porções sublimes iluminando o mal da face da Terra. Livrar da humanidade todos aqueles que se opuserem as idéias atemporais propostas por Platão. Virtudes, amor, verdade. Eis o que desejamos. Eis o que queremos.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

VERMES NO SOVACO

Enquanto ao cárcere do mundo me limito
em ser apenas um poeta cheio de vícios
me transfiguro, me humilho vendo
sujar minha face as sete chagas de Cristo.

Uma agonia traiçoeira dessas que invadem a alma
brotam no meu peito. Na bronha faleço.
Sei que nada vejo a não ser as chagas
que corroem minha alma, me xingam, me matam.

No mato solitário, no breu e sem cachorro
choro atrozmente como uma criança chora.
Dinheiro, emprego, família, tudo tenho

só a paz que não vejo faz tempo.
Numa necessidade filosófica passo horas a fio
dormindo em ventres desnutridos.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

EJACULAÇÕES POÉTICAS




Desprendendo-se do céu como uma abóboda de reflexos a própria existência ensanguentada enfileirada numa redoma de cristal grita seu último suspiro de paz e ventura rumo aos desejos incertos, o amor distante, a vida além do que se vê. Ninguém move montanhas. Movemos toneladas de concreto com o falo ereto, a mente em frangalho, o peito baleado, a poesia crua e chula contra todas as ordens. Somos o resultado do cansaço, das olheiras fundas devassada sobre livros e livros perdido em coxas lascivas das deusas da noite. Pintor de mão calejada. Alma submersa em volúpia e transgressão. Eis o que a história nos negou. O princípio e o fim. Poeta de chinelo perdendo a compostura, o ritmo e a forma. Há uma certa nojeira em tudo que nos rodeia. Me sinto uma prostituta de marca maior. Uma verdadeira prostituta. Uma puta devassa. Corrupto ladrão dos próprios princípios. Sêmen esgotando a última hora do dia do último mês da última morada de Deus. Percebo que o desespero não será mais um amante no dia que conseguir ler o paraíso de Dante. A última parada dos 3 inframundos. Beatriz sempre será uma ilusão. O inferno é bem aqui. Em minhas vísceras, minhas axilas.

"Ser um homem sério sempre me pareceu algo muito nojento." "Foi pelo ócio que eu, em parte, cresci." Como em um rio turvo na direção contrária com os punhos cortados a frase fixa em meu inconsciente. Vomitar, se expor mostrando todas as chagas, toda a epiderme, feridas que nunca cicatrizam. Que diga a minha barriga! Baudelaire então nem se fale. A embriaguez da humanidade faz festa nas minhas entranhas. Bagos em uso constante. Mergulhar num abismo sem volta. O amor inspira a sociedade e violenta a própria sociedade com suas mentiras e mesquinhez. Dar o cu em troca de dinheiro. Corromper no serviço em troca de dinheiro. Vender-se em troca de dinheiro. Se gentil em troca de dinheiro. Ser sorridente em troca de dinheiro. Mover-se e mover-se em troca de dinheiro, dinheiro, dinheiro. Enfim morrer para que outros vivam. Eu choro enquanto você, caro leitor, ri de minha dor sádica. Cansado. O peso das pálpebras sufoca minha alma. Arranco minhas roupas todas, tenho sede violenta, inunda minha face de lágrimas e tesão; é apenas o sono nas horas erradas. Pintor de mão calejada. Um dia segurarei num pincel sem o peso dos calos... As horas trabalhadas me impossibilita ser um artista plástico equilibrado, sou um excêntrico. Abraçarei minha mãe sinceramente e direi: "TUDO ACABOU! TUDO ACABOU! ESTOU LIVRE!!" e logo perceberei que tudo valeu a pena, que os porres nas noites turbulentas foram apenas doces delírios e os desencontros meros acasos da existência.

Imobilidade. Palavrinha chata essa que me persegue a alguns anos. Tudo se perde no palimpsesto da memória. A unidade. A bela tríade. O kama Manas insano. Filosofias e orgias. Nietzsche em campos devastados. Torres de ametista. Shakespeare e Tati Quebra barraco enterrados no meu âmago. Tornei-me um exímio sadomasoquista. Nada mais me atinge... apenas esse cansaço... esse pungente cansaço... as grades da prisão... esse cansaço... esse cansaço... Se esquecer em infindáveis putarias assim como os feceninos. 6-9 / 6-9. Peito no falo, falo na boca. Punhetas e Kant. Dostoiévski, grande mistério. Escrevo contra o tempo. Contra Deus e contra o homem. Principalmente contra mim mesmo. Deus é a mentira na face da verdade. Com a mão construímos castelos, com a mente destruímos dogmas. João de Aruanda amo-te mais que o vinho, tanto quanto a poesia! A língua ácida-ardente dos malditos. De Bocage a Rimbaud, passado por Baudelaire, Edgar Allan Poe, Bukowski, Mallarmé, Augusto dos Anjos, Allen Ginsberg, Lautréamont, Genet, Gregório de Matos, Byron, Blake... e tantos outros.

"O homem que faz sua prece, pela noite, é o capitão que põe sentinelas. Pode dormir."
Durmo sim... no ônibus, serviço, nos diversos cursos de arte e filosofia, nos bares, zonas vulgares e depois de uma boa trepada!...
Pintor sem mão, poeta sem mente... cansaço me corroendo, destruindo tudo que ainda permanece em pé, intacto.

Poeta de chinelo perdendo o fio de meada.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

O "POETA MAIOR" EM RESPOSTA AO "POETA MENOR"

Dois poetas se apunhalando, se desnudando, se revelando. Almas submersas no vazio. Deuses perdidos em volúpia e sarcasmo... Arcanjos suicidas, profetas do caos...
o poeta devassado no caminho... entre uma madrugada e outra, entre um pesadelo e outro, na solitude roubando versos no Nada...

Trocando terríveis experiências, o "poeta menor" revela ao "poeta maior" suas dores, suas loucuras, frustações e seus dias à beira da Morte. O iconoclasta perdido entre a corda bamba do desejo e da espiritualidade. Ser morto na imobilidade da existência humana tendo apenas no amor a linguagem, no delírio, na fuga tão desejada e no sexo a válvula de escape fantástica.

Em resposta ao "poeta menor" o "poeta maior" (Glauco Mattoso) revela sua dor e se diz impressionado ao notar que o rapaz além de insubmisso é um sobrevivente. Glauco nunca teve a experiência de ficar dias com a boca no vaso vomitando, dormindo no banheiro vítima de uma cirurgia errada e de uma existência vã, afundado durante um ano nos braços voluptuosos da Morte. Mas em compensação quantos paus teve que chupar para sasciar a sede de moleques que detinham de uma saúde melhor que a sua? Quantos pés chulepentos lambeu sentido o fedor trespassar por entre dedos de micose? Quanta dor sentiu ao ver apenas a escuridão e nada mais?

Entendo seu desespero, rio de sua dor, me regogizo em sua infinita escuridão...

Eis o email de resposta que esse ladrão das palavras me enviou:

Glauco Mattoso

Enviada:
sexta-feira, 18 de setembro de 2009 5:22:25


Diego, o que você me conta foi dose mesmo. Não gosto de comparar sofrimentos, pois ninguém leva vantagem, mas, se eu passei por umas dez cirurgias com anestesia geral, não cheguei a correr os riscos fatais que você correu; por outro lado, você ainda enxerga. Enfim, espero que você tenha superado esses problemas físicos e mantenha uma saúde minimamente estável. O que posso fazer é isso, continuar lhe enviando livros e zines, que nos permittem viajar e desabafar. Até! GLAUCO

///

COMUNICADO À COMUNIDADE

Setembro/2009 - O ensaísta português Pedro Lopes de Almeida, estudioso da obra mattosiana, com quem este poeta mantém correspondência,aproveitou a ocasião, em que o traslado dos restos mortais de Jorge deSenna ocupa o noticiário daquele país, para encaminhar a Mattoso, como refresco da memória, o poema abaixo, que obviamente não poderia escapar a uma parafrase em soneto, colada logo a seguir.

O DESEJADO TÚMULO

Numa azinhaga escura de arrabalde
haveis de sepultar-me. Que o meu túmulo
seja o lugar escuso para encontros.
Que o jovem desesperado e solitário
vagueando venha masturbar-se alí;
que o namorado sem um quarto aonde
leve ao castigo a namorada, a traga
e a force e a viole sobre a minha tumba;
que o invertido venha ajoelhar-se
à beira dela ante quem esperma vende,
ou deite abaixo as calças e se entregue,
as mãos buscando apoio nessa pedra.
Que bandos de malandros alí tragam
a rapariga que raptaram, e
a deixem la estendida a escorrer sangue.
Que as prostitutas reles, piolhosas,
na lage pinguem corrimentos quando
a pobres velhos se venderem lá.
E que as crianças que brincando venham
jogar à minha volta, sem pisar nos cantos
a trampa mais cheirosa do que a morte
e que à memória humana de azinhagas,
alí descubram, mal adivinhando,
as nódoas secas do que foi violência,
ou foi desejo ou o que se chama vício
e as lavem rindo com seu mijo quente
a rechinar na pedra que me cobre
(e regressem um dia a repetí-las).

25/12/1970

Jorge de Senna (in "Visão Perpétua", 1982)

SONETO PARA OS RESTOS DE JORGE DE SENNA [17/9/2009]

No túmulo em que Senna está sepulto
quer ele que o moleque toque bronha,
que o namorado de castigo ponha
a moça, alí estuprada sem indulto.

Que o puto chucro e que o malandro estulto
alí forniquem sem sequer vergonha.
Que alí se beba e fume até maconha.
Que o satanista faça alí seu culto.

Mais pede Senna aos vivos: que a criança
vadia nessa pedra deite o mijo,
zombando de quem nunca alí descansa.

Com ele estou de acordo! Eu próprio exijo
na lápide que deixem, de lembrança
gravando, a sola suja e o falo rijo!

GLAUCO MATTOSO

///

domingo, 25 de outubro de 2009

"POETA DE CHINELO"



Fico grato pelo poema dedicado a mim. valeu mesmo Ivan. Receber um poema criado pela mente fantástica do rei das metáforas é muito gratificante. Melhor definição que já fizeram de minha poesia: "poeta de chinelo" . Concordo plenamente (risos). Valeu!!

O Poeta

[ao Diego El Khouri]

No mundo da alucinose
não tem o quê e nem o onde
crianças giram no carrossel
a noite é o próprio céu

Da conserva concentrada
o porre doce-amargo
não é nada de bebida
é o uno gosto da lume

O lustre do saguão, todo amarelo
"Olha lá, o único de chinelo"
Desinibido pela vida, embalsama o quimero

O mórbido embrião
Suicída!--escuta quieto,
--o instinto de quem tem a vida--
O Poeta de chinelo.
(Ivan Silva)

MELODIA SERENA

Ouço um som suave...
Um suave som pela madrugada...
Som translúcido, diáfano
que me corta a alma...

Um som mudo, calado;
- canto orquestral de orgasmo -
cabeça leve, olhos parados...
Que som estranho é esse que invade a alma?

Ó Deus dos reinos incertos
trazei aos meus olhos
a forma real dessa melodia serena.

O canto dos pássaros
o gemido dos corpos eretos
penetrando sem dó na noite intensa.
14,08,2008

terça-feira, 20 de outubro de 2009

PASSIONAL

Beijo-te vagarosamente...
Do pescoço até a ponta da orelha.
Minha língua penetra tua alma.
Tua alma chora de mansinho.

Vou eliminando adjetivos
perdendo-me em substantivos.
No mundo subjetivo minto
que é verdade o que não acredito.

Você diz que não quer.
Finge que não ouve. Bebo
alguns drinks numa sede sem nome.

Mas só você ouvi: o barulho das taças,
a batida descompassada do coração
numa triste festa cheia de graça.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Meu querido poeta (A Antonin Artaud e seu Teatro do Horror)


Ó Antonin Artaud, tu és para mim
um anjo devasso, devasso de toda nobreza.
Embevecido em tua destreza
torna-me louco, bandido, profeta.

Que seu teatro se erga nos desvios
singulares poupados pela alma.
Sangue e vertigem (delírio). Ó tragédia
reina nos meus olhos tua beleza!

Ausente, mudo, nebuloso, fechado.
Ó grande solitário, grande porcaria.
Os dias passam! (carros em velocidade...)

Que seu teatro permaneça vivo assim como
Rimbaud, Verlaine, Drummond, Lautréamont,
sem que a paz cesse a voz do silêncio.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Sem título...

Choro, choro atrozmente
a melodia sublime da Morte.
Desesperadamente, ensandecidamente
choro exibindo na barriga mil cortes.

Com o falo ereto, a mente turva
poeta báquico sinto-me devassado
por essa visão chula que é o refúgio
que tenho para a vida futura.

Se punhetas bati, bati só por não estar aqui
o calor que a noite proclama
e a voluptuosidade que tua voz chama.

A chama queimando nossos corpos.
Minha boca úmida na tua nuca.
Lágrimas escorrendo do meu peito nu.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Luz torpe

Essa luz que se apresenta perene
e torpe é voz de Deus clamando o povo
que prove de seu amor e na dor
reivindique a ventura que o homem não pode.

Igual Kant me submeto a essa sorte.
Ser para os outros um fracote.
Levantar os muros da virtude
e se perder irremediavelmente na solitude.

Creio assim como os anjos nessa verdade.
Que o ser humano possui paz na maldade
e na bondade a dor inevitável.

Mas mesmo perdido no mundo de ilusões
como Platão prefiro ser amável
com quem cospe na minha cara e corta meus braços.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Confessional

Eu quero ser a Morte e a ferida.
O veneno e a vacina.
Em vez de curar cutucar a ferida
no lombo de Deus, em nome da anarquia.

Eu quero ser a angústia e o pecado.
Quem está de "cara" e quem está chapado.
Ser a dor em suas maiores gradações.
A flor imunda que alimenta nações.

Eu quero ser o filho e o espírito.
A puta e o puto cínico.
O síndico do inferno e também do paraíso.

Ser um escravo de um burocrata louco.
Entrelaçado na divindade, encaixado num porco.
... Mas na verdade sou isso tudo e mais um pouco ...

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Deserto

"Eu quero cantar, falar besteira."
Mandar à merda quem diz que a tristeza
é o único caminho nessa pobre leveza
que mergulho dia após dia.

Num copo de uísque ou nos contornos
lascivos de tuas coxas gentis
é noite febril o que quero mesmo sabendo
que minha vida mergulha no deserto.

Meio marginal, meio isso, meio aquilo,
meio tudo e meio nada,
ser apenas uma alma apaixonada,

criança etérea que mija na boca
pungente dos deuses subalternos
que dizem que a vida é uma merda.

sábado, 12 de setembro de 2009

A poética da lambida suja

Vou-me embora. Sinto-me Vago.
Jean-Paul Sartre

Eu lambo sebo de dente.
Não importa se é branco ou quente.
Lambo como quem alçança o infinito
lambendo partículas de saliva e lombriga.

Poeta de bermuda e chinelo havaiana.
Quero antes a poesia suja
que tenha em seu bioma
versos de uma existência chula.

Amarram os braços e a poesia chupa
melindrosas reticências fúnebres
de quem acredita mas duvida.

Duvido em tudo que você me diz.
Se você quer e não quer
não quero nem saber, vou-me embora daqui.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Entrevistando o poeta


Recebi nessa última sexta-feira dois fanzines enviados pelo escritor Glauco Mattoso. Um deles é um zine informativo chamado O Berro que está na oitava edição e que contém matérias bastante interessantes enfocando o mundo underground com maestria necessária que um informativo marginal deve ter. Nessa edição os membros do fanzine discorreram sobre anarquia, a influência da mídia na cultura, a evolução da escravidão e o surgimento das favelas no Rio de Janeiro.
Transcrevo aqui uma intrevista encontrada nesse fanzine com Glauco Mattoso feito por Fabio da Silva Barbosa.
A linguagem original mantenho, pois assim o poeta no começo da conversa adverte para que a sua "escrita não seja mexida". Diferente dos emails que ele me enviou e coloquei no blog; tive trabalho de corrigir cada um deles, perdendo o caráter original, portanto perdendo a qualidade. Coisa que não faria denovo.

Agora segue-se a entrevista:

Entrevistando o poeta
Por Fabio da Silva Barbosa

Ele é poeta, ficcionista, ensaísta, colaborou com diversos veículos de informações, como a inesquecível revista em quadrinhos Chiclete com Banana e tirou seu nome artístico da doença que o cegou. Sabem quem é? Não poderia ser outro, senão o grande Glauco Mattoso.

Como foi despertar para a arte?

Fallando em despertar, faço logo um alerta: só escrevo pela antiga orthografia e quero que minha escripta não seja mexida, certo? Accordei para a arte porque desde creança vi que minha janella para a vida commum seria fechada pela cegueira progressiva. Foi uma sahida existencial, uma escapatoria.

Qual o principal papel da arte em sua vida?

Antes de mais nada, evitar o suicidio, ou o alcoholismo, ou as drogas mais letaes. De quebra, a arte rendeu algum tesão... (risos)

O que é underground para você?

Para quem ja escreveu na peripheria e desde cedo foi sacco de pancada da molecada, ser "underdog" na vida ou "underground" na arte faz pouca differença... A marginalidade, social ou litteraria, veiu a ser meu proprio habitat.

Como foi trabalhar o alternativo na época da ditadura?

Por ser a unica via livre de censura, a imprensa nannica offerecia um illimitado universo creativo. Meu zine anarchopoetico, "Jornal Dobrabil", fez coisa que nenhum grande orgam impresso podia fazer em termos de linguagem, diagrammação, conteúdo, emfim, foi um vehículo de communicação de facto.

Glauco, careta em relação às suas obras?

Minha philosophia de vida é o paradoxo. Acho que todos somos poços de contradição, mocinhos e bandidos ao mesmo tempo. Portanto, nada de extranho no facto de eu ser mais louco como personagem que como pessoa.

Você se venderia para ter uma vida mais confortável?

Através da historia, e em muitas regiões do mundo, os deficientes foram escravizados ou tiveram que se prostituir para sobreviverem. Si eu tivesse na India, provalvemente seria massagista e chupador para ganhar o pão. Aqui posso me dar o luxo de ser massagista e chupador para ganhar inspiração nos sonetos ou contos... (risos) Mas isso não significa que eu assignaria contracto com uma editora commercial que me pagasse bem mas me exigisse radicaes mudanças de estylo.

O atual panorama político brasileiro e mundial segundo o poeta:

Ja versejei demais o scenario politico, particularmente no livro "Poetica na politica", e tenho commentado a respeito em minha columna na "Caros Amigos". Não ha o que accrescentar: fallar de merda sempre foi minha especialidade.

A tese que trocamos a ditadura militar pela do capital é verdadeira?

Sim, mas na verdade nunca a trocamos. A dictadura economica é permanente. Apenas a militar foi addicionada a ella durante aquelle periodo.

O ser humano se entregou à alienação?

Pode ser, mas ha varios typos de alienação, umas damnosas, outras gozozas. Phantasias sexuaes, mesmo as minhas, que são sadomasochistas, podem ser boa estrategia para compensar as difficuldades practicas. Ja a desinformação é a peor forma de alienação, da qual fujo como o Diabo da cruz.

Seu epitáfio.

Epitaphio? Vira essa boca pra la!
Não pensei ainda.
Talvez na hora de morrer eu decida.
Mas seria algo como "Aqui jaz alguem que jamais soube o que dizer da morte e só fallou mal da vida"... (risos)

*A foto é um desenho tirado do fanzine poético-panfletário Jornal Dobrabil

*entrevista retirada do fanzine O Berro. Blog:

http://www.rebococaido.blogspot.com/

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Orgasmo contido

De frente à privada olhos obtusos
de fronte à merda rala. Acabo
de receber voz cagada de deus
unindo-se à viagem confusa.

Fome, frio, sede, ânsia, volúpia.
Caralho inchado, olhos de cão.
Um pão vertiginoso de orgasmo.
Você vem contente à minha desgraça.

Cobrimos nossas vestes de cachaça.
Tua falsidade afasta
quem é voluptuosa de verdade.

Tumor alojado no peito apaixonado.
Entrego-me à devassidão macabra
comendo fezes numa tarde ensolarada.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Flores Pubianas


O olho é uma luz revestida de desejo
palavras alheias perdidas no tempo.
Terra selvagem, cabelo desfeito
você parada na minha frente
corpos em desalinho, noites inquietas.

Marinheiros perdidos no barco
à margem de uma existência vã,
crianças submersas em pútridos desfiles
lances de jóias e albergues fúnebres
à lua que se vai solitária
pelo tempo o todo se forma ao Nada.

Tonto e enlouquecido de nostalgia
livros dispersos sobre a escrivaninha
páginas destruídas de ira e tensão
só você em minha mente
só seu sorriso brilhando na escuridão
só seus lábios vermelhos e sensuais
na vasta imensidão.

Corpos contraídos, desencontrados
a chuva inundando gerações
agarro tua coxa, escondo meu passado
“A Morte ressurge” e a xingo
:essa nefasta dama que devora ilusões...
e a abandono e continuo contigo
livre de todo temor e raiva...

Gametas unidos, você linda
xamã em transe mediúnico
arcanjo em desejo e ventura
plácidas regiões de paz e carinho...
Flores pubianas

só o teu sorriso e nada mais!
só teus lábios, teus lábios
e nada mais!

Flores pubianas, noite quente
sempre um verso no bolso da calça
ontem não dormi, aliás permaneço
alheio as ordens e costumes
não dormi e isso é tudo!

Com uma faca te esquartejo,
arranco tuas tripas e teu talento
ó Morte, jovem dama nefasta...
A abandono e continuo contigo (só contigo)
Livre de todo temor e raiva
Livre até de mim mesmo.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

As pegadas do amor

[A alguém especial]
Nas noites incrédulas onde anjos
tingem a noite de preto
você será meu amor insaciável,
ó anjo sublime de límpidos desejos.

Quero-te aqui comigo,
nua, desfeita em meus braços,
como a Morte, a Morte dentro do peito
agonizando na volúpia do amor.

Assim, assim mesmo
deixa-me adentrar teu ser,
mergulhar na loucura deste olhar.

Você - linda. Eu - louco.
Minha mão agarrada em tua coxa.
Pegadas desnudas em teu dorso.

sábado, 29 de agosto de 2009

À poetas de pele e osso (profetas da palavra)



AO POETA FILÓSOFO

I


Ao Vincent Junior


Poeta báquico de olhos cristalinos
teus versos fermentam meu íntimo
de delírio e filosofia
dentro de uma paisagem cheia de vida.

Amante bastardo do antropofagismo
devoro loucamente teus escritos.
Exprimo e imprimo infinitas reticências
afim de saciar meus instintos.

Malogrado numa visão aristotélica
absorves todas as raízes dessa merda
imprimindo e exprimindo novas idéias.

Eleito dos eleitos subalternos
tens a elegância que não espero num poeta
enquanto eu, chulo, insisto em escrever versos.

II

AO POETA-METÁFORA


Ao Ivan Silva

Uma flor pequenina no meio do jardim
solitária se afasta de sua casa.
O vento branda nas encostas.
Montanhas erguem-se do campanário.

Parece que de detalhes vive
a poesia desse jovem rapaz.
Algoz e carrasco da linguagem
cria, recria novas palavras.

Um poeta de pele e mente sã
sabe que a Morte vem pra clarear
a fragilidade dessa vida vã.

Mas perdido em toda essa solitude
transportado em seus versos lindos...
Rei da Metáfora, envergonho-me do meu instinto suicida.

III
A POETA PAIXÃO
A Akaí Enawenê-Nawê

Começa com um grito,dor e desespero.
Um edifício em escombros.
Depois vem meus olhos negros
perder-se nesse realejo.

Em seguida é um, dois versos
onde o amor é a bola da vez.
Uma loucura sem igual; fazes do amor
um desejo não correspondido.

Estamos nós dois perdidos.
Perdidos de amor e carinho.
De todos o que mais pareço é você

que sofre uma dor sem igual
limpando digitais alheias em seu corpo.
- A grande diferença: meus versos produzem desgosto.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Ao bruxo

Há uma necessidade de bode espiatório. Nós seres ainda presos no Kama Manas (mente dos desejos, onde reside a parte instintiva de todos nós) vemos o mundo por esse viés. Gigantes torturando ratos de laboratório. Seres afixionados em sua loucura. Torturados pela existência.

Amamos essa visão "lúdica" e "ingênua"... Desde a época dos gladiadores. Temos prazer em ver o outro sofrendo, sendo humilhado, pisoteado. Hoje em dia isso se prolonga nos filmes de ação. É uma maneira de esconder nossa dor. Vislumbramos seres "piores" do que nós e direcionamos nossa fúria neles. Foi com esse pensamento e essa revolta seguida de ironia que enviei um email ontem para o poeta Glauco Mattoso. A história de um poeta jovem sem editora, sem métrica que violenta seu mestre e o humilha loucamente sem compaixão alguma por este ser cego e impotente, portanto, sendo um bicho e não homem.

Um maldito ferindo outro maldito. Preso em sua eterna dor, ausente de toda paz.

Email: Ao Bruxo
segunda-feira, 24 de agosto de 2009 13:23:04

Tarde quente. Segunda-feira brava. Enfim sobrevivi a mais uma noite de excessos. Em meio a madrugada escrevi dois sonetos pensando em sua obra. O poeta de 23 anos de idade sem métrica e rima perdido em uma cidade distante do interior de Goiás vomitando na cara do cego masoquista a indignação por esse ser ver além, muito além de nós.

O homem no fundo é um escravocrata. Precisa encontrar alguém cuja dor é maior pra lançar sua raiva, sua ira. Nesse ponto concordo com Victório. Oscar Wilde, pelo que li muito tempo atrás, dizia que nós seres humanos sentimos esse certo prazer na dor do próximo mas não nos apiedamos com o próximo. Apenas em sua dor. Somos no fundo egoístas. Não estamos preparados para aceitar a diferença. Isso é lamentável. Sonho com um mundo onde a minoria será ouvida e essa merda será apenas um grupo excluído, portanto os excluídos de hoje passando a ser os incluídos (risos).

Aí segue-se os sonetos enquanto recomponho-me do álcool (mais risos).
Até mais!!!
DIEGO EL KHOURI

AO BRUXO COM CARINHO

I

Poeta em ditirâmbicos olhares
sem métrica, rima, cadência ou samba
sabe que para fugir dos lugares
deve aventurar-se na corda bamba.

Dança dos aleijados da existência
teu cântico é febril, louco, latente,
a volúpia Sagrada e inconsequente
de quem xinga a Deus sua deficiência.

Come (!) como um profeta em fúria sã
o cão sublimar de loucos orgasmos
da pobre desordem da vida vã.

E sejas p'ra mim somente esse cego
preso na sorte da vida cristã
alimentando-se de porra e ego.

II

Chupa, Glauco, como quem goza a vida.
Entre tapas coloca minha mão
na tua bunda branca e na despedida
ó bardo, colhe flores na ilusão.

Você não passa de um cego roubando
aquilo tudo que tenho e não tenho.
Louco, inconformado pois eu não venho
na vida torpe roubar o passado.

O passado que para mim era triste
e vivo a vida vivendo o presente...
Você cego vive o que nós não vemos (...).

Nós profetas bêbados não movemos
nosso pau duro, hirto, quente, demente.
- Temos somente esse triste presente - .

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Comunicação


Literatura pra mim "já foi glaucoma, hoje é cegueira. Já foi telescópio, microscópio e caleidoscópio, hoje é prato em que cuspo, vomito e choro."

Glauco Mattoso, paulistano nascido em 1951, é um marco zero na literatura mundial. Com recorde de mais de 3000 sonetos, esse pós maldito (como prefere ser chamado) é um forte exemplo daqueles que conseguem juntar poesia e vida numa intensidade única. Aliás, essa idéia nunca pode dissociar. Filho da tragédia ele vem compondo compulsivamente, desesperadamente numa loucura sem tamanho. Vítima da cegueira aos 40 anos de idade, esse revoltado por condição existencial, volta ao poema clássico abandonando o verso livre dos primeiros anos de literatura. Mas com ele o soneto assume um caráter diferente. Usando de uma forma metrificada perfeitamente ele consegue subvertê-la levando o leitor a sensações únicas.

Podridão e lirismo. Amor e ódio. Visão e cegueira.
Sua poética é uma arma contra os seus traumas íntimos. Vítima dos outros garotos e por sofrer glaucoma (por isso seu apelido), portanto sendo então uma criança frágil, é violentado inúmeras vezes. Na juventude ingressa na literatura e em inúmeros casos sádicos com várias mulheres. Já aos 40 anos de idade e cego por completo se deixa abusar novamente por crer ser apenas um bicho e não homem. A literatura foi o que o salvou...
"De dentro da minha cegueira, vejo que, para a poesia, a única tendência vital será o retorno às origens, ou seja, em vez de buscar a visualidade, recuperar a oralidade".

"Sou um moleque de periferia que nasceu enxergando mal e viveu condenado à cegueira. Como eu não podia fazer o que o resto da molecada fazia, tentei aproveitar o resto de visão lendo e estudando. Por causa disso, por ser diferente, a molecada me castigava, às vezes de forma bem humilhante. Revoltado por não poder reagir fisicamente, reagi mais tarde desabafando em poesia, e dela tiro até o prazer masturbatório, já que os abusos que sofri da molecada me levaram a ser masoquista. Basicamente, é esse meu passado punk."

Cerca de um mês venho trocando emails com esse poeta marginal e recebendo de graça um livro por semana. Até o momento recebi 4. O "FAca Cega", "Poética na Política", "A Aranha Punk" e o livro de prosa "A planta da donzela", sátira do livro "A pata da gazela" do José de Alencar. Grande influência sua poesia assume em meus textos que para mim é uma porrada e um chuta nas partes mais baixas da sociedade.
Transcrevo portanto alguns emails (os que acredito serem mais interessantes) que esse podólatra mandou nesses dias:

Afinidades

domingo, 19 de julho de 2009

Oi, Diego, foi bom você ter feito contato. Se quizer me enviar o zine,retribuirei com livros meus. Adoro quando um leitor fala francamente comigo e, em certos casos, me coloca no devido lugar, ou seja, do ceguinho masoca... (risos)

E principalmente quando o leitor é criativo e compartilha das mesmas preferências estéticas e temáticas que cultivo, ainda que isso desagrade a maioria.

Quanto aos parnasianos, admiro-os pela técnica, mas não os descarto justamente para ter um modelo daquilo que NÃO quero praticar, exceto em certos aspectos formais. Sim, Augusto dos Anjos também me marcou muito.

Fique à vontade para me mostrar sua veia mais radical e para perguntar o que quizer. Me passe seu endereço, e mandarei remeter algo na próxima saída ao correio, coisa que faço semanalmente junto com um guia.

Por ora é isso. Ficamos em contato. Até! GLAUCO

Em tempo: não extranhe minha ortografia, mas ja não adapto o sistema oficial por achar inaceitável a atual reforma.

///
PS:Aproveite para anotar meu endereço correcto. O edificio é o mesmo, mas muda o número do apartamento:


Anotei

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Certo, Diego, anotei seu endereço e em breve mando colocar algo no correio. Se você ja tiver algum livro meu, diga qual, para evitar repetição.

O Sylvio Back é meu amigo e também bom poeta fescenino. Na verdade, a opinião dele sobre erotismo e pornografia reafirma o que já se diz faz tempo, mas eu nem faço tal diferenciação, pois misturo tudo quanto é ingrediente politicamente incorrecto na minha estética, resultando daí algo que não se enquadra nos limites genéricos, tal como a obra de muitos autores que você cita.

Tenho, sim, sido objeto de teses acadêmicas, mas elas apenas argumentam com fundamentação teórica o que acabei de dizer na frase acima. Até que a universidade ultimamente tem feito justiça aos"malditos" vivos... (risos)

Fico no aguardo do zine e de outras amostragens, e depois comento, tá? Lambidas na sola e outro abraço do GLAUCO
///

Criando

terça-feira, 21 de julho de 2009


Diego, só não quero que você se prejudique por usar o computador no local de trabalho, hem? (risos)

O "Dobrabil" só foi reeditado uma vez, depois de 20 anos (1981 e 2001),pois o volume sai caro por causa do formato maior que o do livro e pelo papel cuchê. Esse eu não sei se ainda tenho, mas tenho vários outros livros que lhe enviarei, um por um, tipo conta gotas, assim você vai se viciando como quem beberica uma poção... (mais risos)

Sim, o livro físico, impresso, é um fetiche que não dá para substituir.Eu, mesmo depois de cego, ainda o apalpo com prazer. Ficou mais dificil criar sem visão, mas aí é que o desafio aumenta e tenta mais. Uso este computador falante, mas quando comecei a compor os três mil sonetos a maioria saía durante a noite, entre o sono, a insônia, o pesadelo e a punheta. Só a memoria se encarregava de guardar tudo, até que amanhecesse e eu tivesse a paciência de sentar para digitar...
Se você leu a antologia sadomasoquista é porque tambem aprecia prosa.Vou incluir alguma ficção (verídica) entre os livros que lhe remetereia partir da próxima segunda. Espero que você se satisfaça e até orgasme... (ainda mais risos)

Até! GLAUCO

///
SONETO PARA A TERÇA-FEIRA [Glauco Mattoso]

A terça-feira é Gorda só se for
a vespera de Cinzas. Fora disso,
a sorte será magra ao sofredor
que sai, na afobação, para um serviço...

Estando engarrafado o corredor
dos ônibus, tem ele um compromisso
urgente, mas a chuva faz favor
de, grossa, encher um trecho alagadiço...

Molhado, esbaforido, o cara chega
depois que sua vaga ja foi pega
por outro candidato, e roga a praga...

Coitado! Para a próxima entrevista
a data cai na terça... Ele que insista
até que o clima mude e sorte traga...

///
Idem

segunda-feira, 27 de julho de 2009

SONETO PARA A SEGUNDA-FEIRA [Glauco Mattoso]

Segunda sem preguiça não há, diz
o adagio popular. Principalmente
se o tempo for chuvoso e quem não quiz
perder a hora estava em cama quente...

Fatais alegações ao infeliz
ocorrem para o atraso no batente:
culpar, de novo, o trânsito, ou dar bis
àquela de acordar, hoje, doente...

Um dia de trabalho que não passa...
Serviço acumulado, qual a graça
achavel na piada dum colega?


Na volta, aumenta a chuva, a rua alaga...
Putíssimo, o coitado roga a praga
que, tudo indica, nele mesmo pega...


///
Mais depois

domingo, 2 de agosto de 2009

Diego, também recebi seu envelope com o zine e os textos, que me serão lidos em voz alta por alguém que me ajude na correspondência (quem estiver por perto com tempo disponível), e mais para a frente comento algo. Repassarei o zine aos meus contatos zineiros, eles sempre pedem.E fico feliz que você esteja sentindo tanto prazer (estético,psicológico, sexual) ao ler meus sonetos. Uma coisa que eu gostaria é de saber quais sonetos você releu mais vezes, os campeões da sua preferência. Esta semana segue mais um envelope para você, pode aguardar. Por ora, o abraço do GLAUCO e uma lambida na sola... (risos)

Bom saber

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Diego, seu texto em defesa da poesia marginal reafirma a vocação de todo zineiro consciente do valor que nós, os independentes, temos nasce na cena cultural, ou contracultural, que é a mais autêntica.

Quanto à minha obra, fico gratificado que ela esteja causando essa forte impressão em você. Se tal impressão é uma mistura de pena e prazer, é sinal de que estou realizando meu intento. Mais abaixo copio o que me escreveu um poeta bem jovem, de 20 annos, mas muito erudito e esclarecido. Ele foi direto ao ponto: o cego tem que se sujeitar ao seu destino e ainda deve se dar por feliz se causar prazer aos que enxergam, seja fazendo-os gozar com a leitura, seja fazendo-os gozar em sua boca.

Quanto a isso, quase tudo nos sonetos de "Faca Cega" é verídico. O que não aconteceu comigo me foi contado por quem vivenciou as cenas.

Aquele caso das lésbicas foi real, foi um moleque vizinho aqui do condominio que me revelou.

Sim, "Laranja mecânica" é uma de minhas referências mais marcantes, seja no livro ou no filme. Você matou a charada.

Você tem computador em casa? Não vá arriscar seu emprego por causa dos emails, hem? (risos)

Logo dou retorno sobre o que me enviou pelo correio. Fique com a opinião do leitor abaixo. Até!


GLAUCO
[Li o livro "Faca cega", e reli, e está na cabeceira de minha cama (...)Na verdade, foi gratificante, quase um orgasmo.]

[Quando você me diz que vivencia o que verseja e vice-versa, confesso que, se por um lado, isto me assusta, dada a visão, embora muitas vezes caricatural, que sua obra expõe do mundo; por outro lado, me tranqüiliza e me tira uma nuvem que me passou pela cabeça quando li no prólogo do"Epistolário escatológico de Leo Pinto": "...a baixeza do cego masoquista performado por mim." Esta palavra - performado - soou-me estranhamente aos ouvidos, conquanto eu não ponha no hall das virtudes o masoquismo, achei, por um momento, que o personagem criador dos sonetos(eu-lírico, como o chamam, palavra que detesto) não fosse parte integrante de uma interioridade, de um espírito vivo no autor, embora não único é claro; afinal, se o fosse, meu caro Glauco, você estaria na cadeia. Ademais, novamente louvo a sua obra, e juro que ela me tem arrepiado algumas vezes - "...seu azar é minha sorte." - versos como este, meu amigo, despertam-me emoções.]


[Você havia me enviado uma dúzia de sonetos e pude me contentar com esta masturbação. Não quero entrar em análises (...) O que eu mais gosto e admiro em sua obra é ela ser xula, reles, infame, justamente como eu e como toda a gente, o que a faz popular e adorada. Ela nos exercita a piedade e a crueldade, sendo que, quando a estamos lendo, esta domina aquela, como o instinto domina a razão, e nos causa muito deleite ler todas as misérias que são narradas em seus versos. Desta forma, torna-se quase um exercício de conhecimento da natureza humana.]

[O meu soneto preferido entre os que você me enviou? "Contrato de escravidão". A idéia foi muito boa e o estilo (principalmente nas duas primeiras estrofes) está muito bom. Enfim, é isto... Você havia me incitado a usufruir da sua boca com os típicos quatorze centímetros de um fodeneto, o que me suscitou muitas idéias na cabeça e,consequentemente, a preguiça para pô-las na prática, é preciso que estas coisas ocorram naturalmente, não é verdade? É como foder, vá lá... Eu juro, porém, que em breve poderei lhe fazer algum presente.]

[O verso que mais gravou em minha cabeça é o seguinte: "Eu chuto bola nele e grito olé!" do "Soneto do escravo virtual", eu fico imaginando acena e me deleitando, nesta sincera intimidade que a ninguém se revela,a comicidade trágica desta cena... O fodido, o cego, alguém precisa sereste cara, mas não sou eu, é ele, e pois então, que assim seja, eu fechoos olhos, viro o rosto e me omito perante este fardo que o outro carrega, rindo-me em silêncio por não passar pelo que ele passa...Também notei uma grande semelhança entre o "Soneto pesado" e o "Soneto metido", a única diferença é de fato a troca em um do pé pela rola,preferi o segundo, pois acho que o fetiche do pé, por ser menos comum,acaba afastando um pouco o leitor do conteúdo.]

[Você fala do purgatório na terra, do qual eu escapei, sem ser sequer um santo. Isto me regozija muito, pois, de acordo com a doutrina espírita,nós somos e recebemos o que merecemos ser e receber. Eu, portanto, rico,belo e jovem, sou uma espécie de criatura mais elevada, enquanto você expia os seus longos e tenebrosos pecados neste abismo de dor e escuridão. Sorte a minha e de Allan Kardec! É isto...]

[Ando entusiasmado com esta idéia de lhe dedicar alguns versos e passo odia pensando em formas de lhe fazer sentir-se mal consigo mesmo.]

[Não se desanime, eu realmente não sou uma pessoa que queira se lhe mostrar respeitosa, eu não tenho razões para tanto, quando disse nãoquerer lhe ofender, estava apenas sendo irônico, como o fiz no soneto que seguia àquela mensagem, quando, bem tartufo, dizia que a sua doraflorava a piedade em mim, como uma aurora no céu. Ademais, sobre o espiritismo, você expia os crimes e se lava dos pecados, segundo acrença, que, aliás, eu julgo verdadeira. Mas que importa? Quantos cretinos não afogam a monstruosidade do caráter sob o véu pacífico da hipocrisia? É preciso que admitamos o que somos, e que todas as naturezas aflorem livremente de nosso coração. Isto sim é belo e nos leva à plenitude, ao aceitar de todas as palavras e opiniões; o resto é fanatismo.]

[Por fim, quanto a eu estar ou não gostando de usá-lo como cobaia, ora,Glauco, acho que os versos falam por si. Laboratório de tortura de umpoeta - sente-se, meu caro senhor, e divirta-se... Para mim é umdeleite, eu já andava cansado de xingar as paredes e esmurrar o vento,agora, que você me apareceu, está tudo renovado...]

///
Sem problema
quarta- feira, 6 de agosto de 2009
Sem problema quanto aos erros de digitação, Diego. Sei que você teria de revisar o texto caso o publique impresso ou o poste no cyberespaço, porisso nem reparei. O importante é a afinidade, e nesse ponto, inclusive,você e o poeta jovem que citei compartilham, alem da erudição, até o gosto pelo vinho tinto... (risos) Depois, si você quizer, lhe envio algo delle em verso e mais algo daprosa epistolar. Até! GLAUCO ///
O resto

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Diego, meu computador falante também é lerdo, mas me conformo com ele.É o que um cego pode ter... (risos)

As humilhações que sofri ou ainda sofro você já conhece, mas nada sei daquelas que você passou. Deu para ter uma idéia apenas dos seus problemas de saúde, que aliás não foram brincadeira. Eu passei por mais de dez cirurgias com anestesia geral, mas acho que não fiquei desassistido. Riscos, sei que corri...

Antes de enviar alguns poemas daquele jovem, segue o resto do que ele me disse, com a franqueza de que gosto. Até! GLAUCO

Você falou algo interessante: dos que já se regozijaram em zombar da sua cegueira seria eu o melhor, por o fazer no metro, e eu, na verdade,concordo com você, que graça pode haver em humilhar um sujeito em prosa?As coisas tornam-se carrancudas, pesadas, e perde-se toda a diversão de cuspir na ferida do próximo quando trocamos a estrofe pelo parágrafo.Eu, Glauco, sou um daqueles sofredores de raiva passiva, já ouviu falar nisto? Quando criança eu devo ter sofrido muito, pois há um não sei quê dentro de mim que faz de cada ser humano a minha volta um inimigo, um vilão a ser atacado e escalpelado - eu, e o digo não com ares adolescentes, mas com severidade marcial, odeio o mundo, odeio os que vêem e os que não vêem, e por talvez me faltar a coragem para sair me batendo pelas ruas, faço sátiras, e é onde canalizo a repugnância que sinto pelo outro, e nisto respondo à sua pergunta sobre as minhas experiências, o mais que já fiz foi torturar insetos, aranhas - como naquele poema do Alexei Bueno (risos). Calço 44... Isto dói no seu pescoço? Acho que você gosta... Aliás, ontem acendi um belíssimo cigarro de maconha, coisa que não fazia há muito tempo, e me lembrei de você, daí mando estes versos que fiz... O que um cego deve sentir ao fumar haxixe?]

[A arrogância, a crueza, a tirania, tudo isto é instintivo para mim, e eu sofro, da mesma forma, instintivamente. A piedade e o amor ao próximo não são instintivos para mim, é preciso um esforço sobrenatural pararealizá-los, e eu sofro da mesma forma. Não sei... Pregar a felicidade como recompensa de um conjunto de princípios a serem seguidos me parece um logro. Afinal, que existe na alma humana que a queira forçar a dar as mãos para o cego e auxiliá-lo, quando mais útil será ele a nos servir?Eu tenho pensado muito na sua condição atualmente e chegado a certas conclusões. Talvez eu me engane, mas creio estar agora começando a lhe entender. A sua auto-flagelação, o seu prazer em se maltratar a si... É um grito do último orgulho que não aceita este amparo hipócrita dos outros? Não sei...]

[Agora, vamos lá. Estou contente por esta descoberta dum novo poeta e triste por não monopolizar o seu sofrimento; de toda a forma, é natural que um cego como você seja humilhado por todas as partes e seria uma pretensão infantil a minha de tê-lo apatriado unicamente sob os meus chicotes. Dizem que Sócrates corria, desesperado, atrás dos seus discípulos quando estes fugiam para os braços maliciosos das heteras, e é assim que eu lhe quero. Dependente. Inútil. Escravizado.]

[Mas, afinal, eu deveria lhe pôr para lamber o chão, Glauco, você sim, o chão que eu houvesse mijado e defecado...]


[Enfim, estou de volta à minha mansão, na Granja Viana, um verdadeiro castelo medieval; aliás, me farta um bocado estes discursos sábios sobre a felicidade, separando-a das conquistas materiais, eu mesmo professo isto, mas, no fundo, o que eu mais quero é bebidas caras, luxo e muita gente me servindo, porque, por alguma obscura raíz da minha história pessoal, eu sinto que mereço tudo isto; na verdade, eu sinto que, mesmo que empobrecesse, a minha aristocracia se manteria intacta... A cultura não tem nem dá nenhum valor ao homem, o materialismo, provado em grau máximo ontem e hoje, é o que distingue aquele que sabe conviver com a grandeza do que não sabe. Bom, eu hoje acordei epicureu, e costumo muito ser assim, principalmente quando estas tempranillos fermentadas me sobem à cabeça. É um vinho espanhol de muita qualidade, espero que um dia o possamos brindar juntos! Ademais, recebi a sua última mensagem e, devo dizê-lo, ela me agradou muito. Até então, compreendia a sua submissão física, mas não notara a que grau, adentrando a própria condescendência do intelecto, este caráter seu havia chegado.]

[Mas não é para ficar ofendido, eu mesmo não me importaria que você tocasse no meu pé, nem o faria só para agradá-lo, é só como eu disse:sou orgulhoso demais para lhe dar um prazer que um "cobrador de ônibus"ou um motoboy tenham lhe dado antes, porque, neste caso, a humilhação, por ser igual, nivela o poeta ao vigia noturno, o divino ao humano, eisto eu não posso suportar, e isto, acredite, é a verdade. Pudores?Nenhum! Você é que me escreve dizendo que seria o meu felador privativo e depois vem dizer que era só uma personagem!! hahaha! Glauco, a sua timidez de cego me faz rir... Seja o meu felador, que eu lhe peço, a minha opção sexual e a minha preferência por mulheres não têm nada a ver com o prazer que você pode me dar, me escreva mais sonetos daqueles, e saiba me agradar como eu lhe pedir que você me agrade. Se eu disser: não lamba meus pés, não quero que você os lamba. Se eu disser: me fale disto, quero que você, então, me fale. A tirania que impõe, puramente, a submissão física é uma das mais ridículas que existe, e é muito fácil dominar um cego desta forma, para que eu o queira. Acho que o sadismo tem que ser mais profundo, porque é mais prazeroso desta forma, porque nos anima ver alguém dependente de nós, alguém que se prostra à nossa força sem que sequer a usemos. Isto, por exemplo, é o que eu sinto...]


[Hoje estive na Rua Augusta, dando um passeio, e me veio à cabeça como é fantástico este ambiente de animosidade. Entrei num puteiro imundo, só tinha eu lá dentro, e uma puta veio querer conversar comigo, não lhe dei papo e mandei pastar, aí, na hora de sair, fui roubado em R$14,00 reais,que atirei no colo do cobrador do estabelecimento (literalmente), muito satisfeito. Puxa, aquilo me inspira tanta prepotência, é delicioso.Pairar - um deus - sobre os ratos do esgoto: é isto que a gente sente.Vá lá... são tão raras as minhas idas ali, que fica muito longe decasa...]

[Bah, você já deve ter reparado que esta noite celebro ao deus Baco,cultivador de vinhas. Vim aqui, na monotonia de quem se sente asfixia do entre o cheiro de tabaco e o suor que escorre pelo corpo, lhe redigir alguns versos. Glauco, juro por Deus, se nosso mundo fosse a la laranja mecânica, seria o maior prazer lhe ter como escravo ou servo, tudo o que eu queria nesta hora é alguém que me desse algum prazer que não tivesse de ser, necessariamente, retribuído. Um criado surdo-mudo (e cego), que fosse uma marionete treinada para o meu conforto, que lambesse o meu suor, os meus pés, e fosse engenhoso o suficiente para propiciar sempre novos deleites. Aliás, falando nisso, estarei me mudando para um apartamento: é uma pena você ter medo de pôr na prática o que dizem as suas palavras, porque seria muito bom tê-lo clandestinamente como um serviçal, vivendo em prol do amo, n'uma espécie de tortura contínua, que não acabasse n'um orgasmo, mas se prolongasse para cada ninharia do cotidiano, por exemplo: eu digo: Glauco, me faça versos... você, então,se ocuparia em me fazer dedicatórias e recitaria para mim, enquanto eu estivesse sossegadamente assentado em uma poltrona. E eu, ali, apenas lhe dando de comer e de beber, e você, calado, sempre á espera d'uma nova ordem.]

[Bah, Glauco, nós nunca fizemos nenhum contrato, mas a natureza fez um por nós: eu, saudável que sou, domino, você, enfermo que é, cumpre. E as coisas são assim, não é preciso um porquê...]


[Mas às vezes fico irritado: quis forçar a minha namorada a sorver (como você diz) as provas da minha virilidade e ela quase engasgou, depois mexingou, e eu quase bati nela... Que desgraças! Que misérias! Uma outra mulher com quem me relacionei, uma mineira que me deixou para ficar como marido (hahaha!), engolia tão bem... quantas punhetas não voto áquela cena deliciosa da nutrição sexual! Mas bom, deixemos disto, a minha imaginação anda muito atiçada ultimamente... Isto de engolir o sêmen. Mediga, Glauco, por que as mulheres tanto repugnam este gesto de adoração(ou humilhação?) perante o homem?]

[Mas o que tudo isto pode ser perante a cena indescritível de tê-lo,como um cachorro, ou pior do que isto, já que os cachorros são amigos eeu não o considero tanto, de tê-lo, dizia eu, aos meus pés, rastejante e passivo? O que você esperava quando veio ao mundo: ser bem tratado? Isto aqui é um covil onde um bilhão de homens são vítimas e dez homens são carrascos. Eu não pretendo estar entre as vítimas; você sim, já quetanto gosta disto e tem a liberdade para escolher; sofra, portanto, e selamente em versos etc, mas saiba que nenhuma glória vai apagar a imensa ferida que você tem bem aberta no peito, onde eu cuspo e esporro, com amáxima satisfação... Mais um dia de misérias, vá em frente!]

[Acho que sou severo no que falo, mas... você sabe que o meu papel é ode não concordar nunca com você... O papel do carrasco perante a vítimaque sofre caladinha na cela... te rejeito a água, a comida, te faço passar frio e o meu único gozo é vê-lo amedrontado pela minha crueldadee violência. hahaha!]

///
Leitura
segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Diego, neste final de semana leram para mim alguns de seus textos e poemas, corroborando a impressão que eu já tinha: numa poesia revoltada não podem faltar o vinho, as putas e putos e a raiva contra os patrões,sem falar em outras raivas das quais estamos todos de saco cheio. Metrificada ou não, a poesia mais contundente é essa, em que desabafamos nossa própria vivencia, creio eu. Os conformados que cantem sua amada ou a graça de Zeus... (risos)

Bem, aqui copio, como prometido, a poesia daquele jovem, chamadoVictorio, com quem tive contato há algum tempo. Divirta-se! GLAUCO

[I]
Há mil razões, mil causas e mil modos
Para dignificar-se um cego: todos,
Porém, são falsos, cínicos, mentidos,
Já que na treva em que ora estão sorvidos
A auto-suficiência não habita:
Um homem cego é só um parasita
Dos demais -- não vê, não luta, não vive,
E, sendo a vida este intrincado aclive,
É ele a carga baldada, o peso morto
A quem exclama o outro: "Isto eu não transporto!"
Nos povos bárbaros um cego fora
O que é, e não o que se crê agora,
Nestes tempos de hipócrita altruísmo:
Ele, Glauco, é o judeu, eu, o Fascismo,
E, se é pois justo este aparente agravo,
Não seja ele um igual, mas um escravo,
Obedeça ao senhor, seja submisso
E prestativo, pois é vantajoso
Que assim o faça, já que eu sou mais forte
E a minha ira é mesmo a sua morte.
Assim a vida, seja embora austera,
Fez d'um a presa e d'outro fez a fera;
E os cegos, porque a natureza o queira,
A segunda não são, mas a primeira.

VOZES DE UM CEGO

A solidão deste Universo escuro
Está em mim, o breu inexplorado,
Onde nem Lua nem celeste forma,

Ou estrela de luz, archote puro,
Emitem seu clarão adamascado,
E tudo nesta sombra se conforma.


Há só o Tempo, ao qual eu me seguro,
Mas, que, além de me ter só torturado,
Em sopro, em treva, em morte -- me transforma!


[II]

Às vezes, triste a vaguear me vejo,
Sem rumo, e cabisbaixo, e pensativo,

E penso que na vida o mais da sorte
Nem ter espírito é, é ser vazio
Como os abismos infernais da morte.
Nestas horas de dor, o meu consolo
É lembrar-me de quem, inda mais que a mim
Sofrido e solitário, pena e chora,
Quem, excepcionalmente, os duros ferros
Do destino no lombo exp'rimentou
Mais que outro algum. Lembrar-me das desgraças
Alheias é o remédio que me cura,
Ver que há ferida inda mais podre e escura
Que a do meu peito é como, enfim, ter paz.
Por isso, Glauco, eu gozo a tua dor
E sou sincero no que digo; escuta:
Assim é o coração de todo o sádico:
O seu prazer do pranto, puro e simples,
Não se faz, é preciso que a tal lágrima
Carregue em sua essência mais profunda
O alívio dos pesares que o maltratam.
E é belo ver o corvo de asas negras
A roçar no sorriso dos felizes.
A catástrofe, a guerra, os acidentes:
A minha infãncia isto me faz sentir
E celebrar grandiosas hecatombes.
Minha alma apocalíptica festeja
As valas sepulcrais da cremação.
Quando a gente se cala, ao som das nênias,
Eu sinto então que a minha vez chegou -
Não de morrer - mas de exultar, que agora
Já posso eu rir de quem de mim zombou.
Oh, Glauco, esta cegueira que te oprime
Faz de ti um amigo, um salvador,
Encontro eu dor maior que a minha dor
E posso, enfim, brindar - será meu crime?

///
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[SONETOS]
SONETO I [dezembro/2007]

É a última porteira: eu, que hei sonhado
Tanto e tão alto, a percorrer a vida
Nas linhas d'um soneto; endurecida
Eis de minh'alma o sonho exterminado.

Depois de Tasso amante e Dante irado,
Ora cruzo com Glauco, alma-perdida,
E venho a descobrir, apodrecida,
A musa que hei já tanto celebrado:

Era uma sexta-feira, um filme eu via,
Quando, por um delírio ou um acaso,
Vejo as Nove filmadas n'uma orgia,

Eu quase já descreio do Parnaso,
Mas, surpresa maior, eu não creria:
Eis o Glauco a comer bosta n'um vaso!

SONETO II [dezembro/2007]

"Que as lágrimas me enxágüem todo o rosto
"Nesta manhã em que a piedade aflora
"Em mim, bem como o rosicler da aurora
"Que diz que o Sol o globo há já transposto.

"Oh, mágoas santas, oh, santo desgosto!
"Estou, de fato, a ouvir o que ouço agora?
"Quão triste este poeta que além chora
"Fazendo-se humilhar, a contragosto!

" Glauco, meu caro Glauco, é crueldade,
Sim, matar um cego, este parasita
Que se nutre, por vez, no alheio pão.

Mas, tendo íntegra a sua liberdade,
Fazê-lo de putinha israelita
Não é pecado algum, é diversão!

SONETO III [janeiro/2008]

Um cego assim, figura turva e obscena,
Que com prazer estranho se maltrata,
Excita-me, sim, a ânsia escravocrata
Do carrasco feroz, que não tem pena.

Vem, ceguinho, que eu sou a tua hiena;
Lava-me com teu sangue esta chibata
Veloz, que ora em teu lombo se arrebata
E fere, uma vez não, uma centena!

Queres a minha pica em tua boca?
Eu não te a dou! Pois antes quero em troca
Purgar os teus pecados com o ferro!

Deus fez-me, em vida, o teu cruel senhor,
Para que eu desfrutasse a tua dor,
Já que a tua existência é só um erro.

SONETO IV [janeiro/2008]

Pudera eu consentir-te de bom grado
A massagem - mas não! que até me peja
Deixar fazer um cego o que deseja,
Sem antes bem lhe ser o mal cobrado.

Qual pode alguém, na escuridão lançado,
Falar o quanto anela, o quanto almeja!?
Queres que um pé na tua boca esteja?
Antes tira o que nele está calçado!

É um coturno escuro e impiedoso
Que ao toque de teus lábios se enfurece.
Oh, divina visão, divino gozo:

Ei-lo que sobe aos céus e logo desce,
Co'a sola no carão já lacrimoso
Do cego a sussurrar a última prece.

SONETO V [janeiro/2008]

Da humilhação que passa, Glauco, sinto
O germe da loucura em mim nascendo,
Você -- chorando amargo, eu -- rindo e vendo,
Por seu pesar, se me aquentar o pinto.

Quando Deus o criou, disse: "Consinto,
Consinto que este nasça e vá vivendo
Em paga de ir chupando -- e se lambendo --
Milhões de porras, como um cão faminto!

Um cego é a imagem viva do boquete:
Cativo de quem vê, por mais que afete
Ser dono do nariz, chupa calado;

É como ter um servo, ou um briquedo,
A gente diz: "Engole" -- e ele, com medo,
Fela a nossa fraqueza, e o seu pecado.

SONETO VI [janeiro/2008]

Quando a tua alma, Glauco, libertada
Puser-se da telúrica opressão
E, toda em luz e amor, em fé e paixão,
Erguer-se aos céus, no canto da alvorada;

E quando à funda cova for baixada
A esquife onde teus sonhos viverão;
Na fria ardósia tumular, ao chão,
Leia-se então esta inscrição borrada:

"Aqui repousa um ente torturado:
"Foi vítima do mundo e do Destino,
"Chupou, sem ser, porém, jamais chupado.

"Epíteto de bêbado e suíno.
"Já morto, ocupa-se por ser mijado
"Na unção divina do porrão divino."

SONETO VII [janeiro/2008]

Figura nova, excêntrico truão:
Declama em dáctilos como um latino,
E ao pé d'um jambo rápido e ferino
Expõe - estranho - em verso, a felação.

Em tratados imensos, como um cão,
Late em troqueus, mirrado e feminino,
E após imiscuir o seu ensino,
Canta de pés, em métrica canção.

São jâmbicos, peônicos, dactílicos,
Para acabar em temas necrofílicos,
Ou bosta, enfim, qual queira se dizer!

Que triste, Glauco, um cândido anapesto,
Servindo-lhe de forma, ou de pretexto,
Para tudo estragar, tudo foder!

SONETO VIII [fevereiro/2008]

Um charuto entre os lábios, teso rosto,
Bem como um coronel de seringal,
Rijamente apoiado em duro encosto:
Austero, grave, varonil, brutal!

Menos disposto ao Bem que ao Mal disposto:
Um coração malévolo, abissal:
Eis n'alguns traços o borrão suposto
D'um sádico vulgar -- vulgar boçal!

E embora haja aí tanta estupidez,
Assim deseja o Glauco o seu tirano,
Quiçá lhe saia um preto, um africano,

Ou bicho de mais torpe sordidez!
Pois sei que o cara, em tudo que já fez,
É puto de guinéu -- não de romano!

SONETO IX [fevereiro/2008]

Das ânsias que lhe invadem o desejo
E borbulham, e fervem, loucamente,
Cego, o Glauco, em delírio permanente,
Imagina algum pé, sabor de queijo.

Enlevado a sonhar, então, sem pejo,
Brada, à janela: Um pé! por Deus clemente!
E a ver que não replicam, descontente,
Murmura: Um pé... é tudo o quanto almejo.

Eis que lhe bato à porta e, ao vê-lo triste,
A causa indago, então, que lhe chateia,
Ele me diz: Bastava-me uma meia...

E pede a minha, e, de tal forma, insiste,
Que eu digo: Mas não uso! - Ele baqueia,
O coração dispara, não resiste!

SONETO X [fevereiro/2008]

Se a meia nos sufoca, e não respira
O pé encarcerado -- é não usá-la!
Assim como a cueca que resvala
No púbis, e o caralho não transpira.

Prisões cruéis que são, a minha lira
Põe-nas a par de sepulcral senzala,
E viva a liberdade que se exala
No aroma deste todo que revira!

Mas percebo, a seguir o raciocínio,
Que em mais até me ponho aprisionado,
E, de olímpico atleta no fascínio,

Cultuo o sonho grego, de bom grado,
E assim concluo que, ao pudor virgínio,
Melhor me fora até andar pelado!

SONETO XI [fevereiro/2008]

Escárnio a toda a Grécia e riso ao mundo
Tornou-se Sócrates no andar descalço,
E, creio, (não veneno) o cadafalso
Mais merecera pelo crime imundo.

Não se lavava nunca: odor profundo
Se lhe escapava do sebinho salso;
E creio até que pouco, assim, lhe exalço
A má reputação de vagabundo.

Mas há, porém, no século que passa,
Renovo adorador desta imundície,
Quem mais este viver de porco abraça,

E o gosto segue à risca, co'arduidade.
É o Glauco, a quem mais cresce a safadice
Em quanto mais aumenta a sujidade.

SONETO XII (RESPOSTA AO "SONETO SANDUBA")
[fevereiro/2008]

Até parece freira, anacoreta,
Palhaço animador de aniversário,
Parlapatão de ONG, humanitário
Berrando em propaganda que é careta!

Agora, mais que puto e que cegueta,
Frequenta, sexta-feira, o seminário
E, já fazendo as vezes de vigário,
Com pose moralista, se atopeta.

Mas como pode um bebedor de esperma,
Que engole pó de pé, um tal palerma
Que vive a masturbar-se, n'um sobrado,

Dizer a nós, homens de bem, que enjeita
A simples fruição que nos deleita:
Um copo de cerveja, um baseado?

SONETO XIII [fevereiro/2008]

Por andar destas gentes esquecido
E sempre alheio à humana companhia;
Virtude, glória, amor -- o bem querido --
E já de tudo o mais eu me esquecia.

Já deus algum minha ara bendizia
Em preces d'um desejo acometido;
Bem como um Dom Quixote, eu me entrevia
N'um mundo estranho de ilusões perdido.

Por noites devassadas na leitura,
Então, deste poeta malogrado,
Eis que minha alma à sua se unifica

E bate as negras portas da loucura:
Eu, vendo as coisas, creio ver errado:
Que tudo é porra ou pé, caralho ou crica.

SONETO XIV [fevereiro/2008]

Gramático -- ridículo, portanto --
com metáforas chulas de acadêmico
de letras, e um amor de tosco encanto
pelo jargão fonético e fonêmico,

diz o Glauco sorver (tragar) o quanto
lhe digo: são palavras do ablastêmico
vocabulário em que lhe xingo e canto,
a rir, o seu sofrer, por mal do mundo, endêmico.

Glaucomatoso: cego, enfim, fodido,
e, agora, quer passar por professor,
porém, coubera mais para bandido,

boqueteiro de puto, felador,
se diz beber palavras, bem duvido,
no máximo é de picas chuchador.

///
SONETOS PARA UM VITORIOSO SOBRE UM VENCIDO CONVICTO
(respostas de Glauco Mattoso)

SONETO PARA A REGRA DO JOGO [2057]

Victório foi sincero, tendo dito
que alguém precisa ser o perdedor,
o cego, o que só chupa e lembra, aflito,
que um dia já enxergou a luz e a cor...

É duro de aceitar, mas nem cogito
negar o que ao Victório tem sabor
alegre, de deleite: sem conflito
me humilho e lhe melhoro o bom humor...

Se a rola eu lhe chupasse, a língua iria
dizer, muda e mexendo-se: sorria,
enquanto o cego chora e o jogo entrega!

O gosto que eu sentisse, por si só,
seria o de que vale, mais que dó,
no mundo a crueldade, que é mais cega...

SONETO PARA UMA CONCLUSÃO FILOSÓFICA [2058]

Deliro com a idéia de que, enquanto
me fodo na cegueira, ele, Victório,
deleita-se sabendo disso, e tanto
que a cena tem poder masturbatório...

A idéia dele é lógica: levanto
seu pau porque, no mundo, ao purgatório
do cego ele escapou, nem sendo santo,
e meu destino que eu o purgue e chore-o!

Portanto, é natural que ele suponha
que estou ajoelhado, e sua bronha
acabe em minha boca, ao que me exponho...

Serei, enquanto chupo, consciente
dum fato: entre dois homens, eu somente
chorei; ele estará, logo, risonho...

SONETO PARA UMA MISSÃO ASSUMIDA [2060]

Entendo e reconheço o que você,
Victório, em senso espírita, me diz.
Você, rico e bonito, tudo vê,
podendo desfrutar e ser feliz.

A mim é superior, pois o que fiz
em outra encarnação, desde bebê
condena-me à cegueira e aos mais febris
delírios: você justo é no que crê!

Me goze, pois, em sua juventude
sortuda! Goze tudo que não pude
gozar! Na boca imponha-me o sabor!

Aceito humildemente a crueldade
dos fatos, pois, fazendo o que lhe agrade,
serei, desta missão, bom cumpridor...

SONETO PARA A PURIFICAÇÃO DO SER [2062]

Fazer-me de putinha é o que ele quer.
Forçoso é, pois, na boca receber
seu pênis e lhe ouvir, quando ele as der,
as ordens de chupar ou de lamber.

As coisas que na boca da mulher
não quis, por piedade, cometer,
na minha o jovem acha, de colher,
a chance de me impor, como um dever.

Assim me vê Victório: um cego exposto
à sua diversão, e dar-lhe o gosto
da superioridade é-me a missão.

Estamos, neste mundo, por castigo< /div>
ou prêmio. O que Victório faz comigo
é dar-me o que mereço: uma lição.

SONETO PARA UM ARDOR ANIMADOR [2063]

Victório nem me amarra: não precisa.
Sem vê-lo, dançarei sob o chicote
que, contra minha pele, branca e lisa,
estala, até que o sangue, rubro, brote.

Em minha boca a pica antes que bote,
prefere divertir-se, e diz que visa
pecados meus punir, pois, como mote,
invoca o Além, de penitência à guisa.

Após levar a surra, me contento
em ser, para seus pés, o mais atento
e humilde massagista, por enquanto.

Seu pau sei que endurece, quando o açoite
me lanha, pois debato-me na noite
dos cegos, e ele vê: goza, portanto.

SONETO PARA UM DETALHE RELEVANTE [2065]

Pensei que fosse tênis o que usasse
você, tênis de grife, já que é rico,
pisante cuja sola, em minha face,
tem marca que, na língua, identifico.

Porém na bota é proletária a classe
que calça o seu pé jovem: de milico,
pesado coturnão faz com que eu passe
momentos de agonia e pague um mico.

Se, cego, estou purgando algum pecado,
mais duro, no relevo do solado,
será, sobre meu rosto, o seu pisão.

Mas tenho de aceitar, Victório, o peso,
pois sei quanto lhe agrada um indefeso
ceguinho a lhe servir de piso e chão...

SONETO PARA A LISTA DE APROVADOS [2068]

Victório, que prestou vestibular
agora, por momentos de ansiedade
passou e, até que saiba qual lugar
pegou na feliz lista, a angústia o invade.

Mas logo irá, voltando a se alegrar,
notar que é vencedor e que não há de
passar pelo que eu passo, a lamentar
a perda da visão, na eternidade...

Deleite puro, o dele: ver-me cego,
sabendo que este fardo que carrego
jamais carregará, pois foi eleito...

Seu pau até endurece quando fala
comigo, já que, enquanto chupa bala,
eu chupo o que mereço... E diz: "Bem feito!"

SONETO PARA UM RETRATO EXATO [2074]

Cegueira, diz Victório, representa
a imagem dum boquete. Assim me aceito:
a boca penetrada, numa lenta
sessão de felação, em seu proveito.

Após massagear seus pés quarenta
e quatro -- o calcanhar, a sola, o peito,
o vão entre os artelhos -- à opulenta
cabeça do seu pênis me sujeito.

De leve, eu a abocanho, e me concentro,
até que ele me esporre boca adentro,
na chance que o Destino me consente...

Ao jovem dei o gosto da desforra.
Meu gosto foi saber que quem me esporra
na boca, mais que um cego, está contente...

SONETO PARA A CAPACITAÇÃO DO CEGO [2075]


Assim se encara um cego: o parasita,
o inútil, cuja boca só consome,
na aposentadoria a que limita
seu ganho, ou numa esmola, e escapa à fome.

A nada produtivo se habilita
o inválido, e só presta caso tome
ciência de ser útil quando excita
alguém que o discipline, explore e dome.

É justo, pois, que sofra em sua treva
e ainda que trabalhe, quando leva
na boca a rola grossa a ser chupada!

Capriche! Engula tudo! Utilidade
demonstre! Como homem se degrade,
pois isso é o que, ao Victório, mais agrada!

SONETO PARA A SABEDORIA ANCESTRAL [2076]


Victório aos povos bárbaros alude
e acerta em cheio: um cego só merece
comer, sobreviver, caso se mude
de ser humano em bicho que obedece.

De servo chupador, eis a atitude
mais própria a quem o mundo só escurece:
não vê, mas sua boca é, como pude
provar, um instrumento oral de prece.

Chupando, o cego "reza" enquanto serve
de orgasmo ao jovem macho, cuja verve
poética lhe escorre boca adentro.

Por isso é que agradeço quando escuto
Victório me chamando, além de puto,
de escravo, e nesse ofício me concentro.


///

Ditirâmbico

Segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Diego, estou de acordo com seu estado de espírito e com tudo que você comenta, exceto com a última coisa. Eu posso ser cego e ver, mas você não é um ser que enxerga e nada vê. Acho que você tem clara percepção da merda que nos cerca. Aliás, se estivéssemos frente a frente, eu não hesitaria em chupar seu caralho, enquanto você me dissesse que ainda pode enxergar e eu não... (risos) E eu exultaria ouvindo isso, claro.(mais risos)

Quanto ao estado etílico, nem preciso dizer que Baco aplaudiria.

Até! GLAUCO


///

Evoé

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Brindemos, claro! Mas sem aranhas por perto, nem patrões, nem irmãs dos patrões... (risos)

Assim que eu puser em ordem minha biblioteca, lhe envio mais algum livro do qual me restem alguns exemplares.

Até! GLAUCO

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SONETO PARA A TERÇA-FEIRA [Glauco Mattoso]

A terça-feira é Gorda só se for
a véspera de Cinzas. Fora disso,
a sorte será magra ao sofredor
que sai, na afobação, para um serviço...

Estando engarrafado o corredor
dos ônibus, tem ele um compromisso
urgente, mas a chuva faz favor
de, grossa, encher um trecho alagadiço...

Molhado, esbaforido, o cara chega
depois que sua vaga já foi pega
por outro candidato, e roga a praga...

Coitado! Para a próxima entrevista
a data cai na terça... Ele que insista
até que o clima mude e sorte traga...

///

sábado, 1 de agosto de 2009

MANIFESTO EM FAVOR À POESIA MARGINAL

"O que é criado pelo espírito é mais vivo do que a matéria.
O amor é o gosto pela prostituição. Nem há prazer nobre que não possa ligar-se à prostituição.
Num espetáculo, num baile, cada um goza de todos.
Que é a arte? Prostituição.
O prazer de estar nas multidões é uma expressão misteriosa do gozo da múltiplicação do número.
Tudo é número. O número está em tudo. O número está no indivíduo. A embriaguez é um número."

Começo esse ensaio sobre poesia marginal com esse pensamento encontrado no livro Meu coração desnudado do grande poeta maldito Charles Baudelaire, autor de livros como As flores do mal, Escritos sobre arte e Paraísos Artificiais - o haxixe, o ópio e o vinho. Textos concebidos sobre a condição de poeta perdido e açoitado em um mundo capitalista e pragmático.
Fixado nessa cadeira alimentada por inúmeros cupins e com um saboroso vinho tinto na mão direita tento esboçar idéias que para muitos (sobretudo uma classe acadêmica e necrófila) são apenas desvios de uma mente atormentada e desesperada; resultado de uma infância humilhante e uma juventude à beira da morte. A poesia é existência. É entregar-se a vida. É dor e prazer, realidade e loucura. Essa correlação de vida e poesia não pode dissociar. Ela inclusive nasceu nessa idéia; primeiro com os trovadores, depois com os burgueses da corte, passando pelos profetas, em seguida os boêmios, e por fim os jovens universitários moribundos e sem pele. "Escreves com sangue e verás que o sangue é espírito." Expulsa do seu corpo versos como vomita sêmen numa noite tumultuosa. "A poesia é a metralhadora na mão de um palhaço". É preciso penar muito para chegar a sua essência. Aprendemos isso com os poetas fesceninos. O erotismo, uma válvula de escape fantástica. Poeta de bermuda e chinelo havaiana.

Seguindo nessa linhagem de literatura intensa e até mesmo orgiaca num ensaio do cineasta e também poeta fescenino Sylvio Back intitulado A poesia das Inevitabilidades ele diz que o poema erótico nasceu nas mãos criativas de Goethe, Baudelaire, Rimbaud, Whitman, Apollinaire, Valéry, Verlaine, Kafávis, Pierre Loÿs, Boris Vian, sendo sancionada por toda a sociedade manipuladora, pela mídia, editores, livrarias e os tão aclamados "críticos virtuosos". Sempre os críticos, os críticos... Em 1807 em uma época de calorosas revoluções, o homem começando a sentir-se oprimido e desafiado pela máquina o inglês Lord Byron lança um livro cujo título "A Hora do Ócio" chocou os chamados seres sem pele, arrasando o jovem rapaz devido as críticas duras em relação ao seu primeiro trabalho. Em seguida revoltado e com tom de ironia publica "Bardos Ingleses e Críticos Escoceses"! Precisamos alimentar as vísceras desses tolos sangue-sugas - noites de porre, madrugadas de absinto. O marginal é aquele ser bárbaro, posto em escanteio sem dó nem piedade. Muitas vezes por vontade própria. "A marginalidade é formada por aqueles que estão 'out' - aqueles que não tem acesso ao poder estabelecido involuntariamente por miséria, ou voluntariamente por escolha estética religiosa", já dizia o profeta do caos Timothy Leary.

Higiene, conduta e moral. A poesia está nos tempos atuais recheada de lirismo hipócrita e versos gentis. Uma volta ao parnasianismo; escrever de forma amena dentro da forma clássica inspirada nos gregos, ou seja, não importa o "eu- emocional" apenas o "eu-pensante". Isso está muito relacionado também com a poesia-objeto de João Cabral de Mello Neto. Denovo a forma valendo mais que a intuição e a inspiração. Sou mais Roberto Piva que demora sempre em média dez anos pra publicar uma obra, pois ele acredita naquela idéia de inspiração, de santo baixando mesmo. A idéia do choque e do susto. Ver por exemplo uma mancha em um banco de praça o dia todo e viajar em suas formas, se perder em seus desenhos, se ocultar em seus contornos. Daí nasce a linguagem poética. "O poema nasce do espanto e o espanto do incompreensivel." Por isso insisto, marginal é quem escreve à margem apenas por não vender sua arte a uma classe intelectual e acadêmica que vivem coçando seus cus atrás de mesas com mil canetas no bolso e nenhuma coragem nas ações. "O poeta tem que cair na vida, deixar de ser brocha pra ser bruxo". "O poeta é um vidente". Com Rimbaud aprendemos isso, com Wiliam Blake as famosas "portas da percepção" e com Ginsberg o êstase búdico. Desvencilhar o que é frágil e criar uma arte para poucos mas com muito conteúdo. Também acredito em você, Piva. Infelizmente seu dizer tem verdade, tem conteúdo. "A poesia sempre será uma arte minoritária." Cabe a nós, seres excluídos e ausentes de toda "moral puritana" cultivar a pele, o pelo e a exaltasão dos sentidos. Os estados alterados da consciência que um tal de Salvador Dalí (baseado nos estudos de Freud) nos ensinou com seu surrealismo real e vertiginoso, delirante, eterno.

"A poesia é a orgia mais fascinante ao alcance do homem". André Breton.

Comecei esse texto depois de uma conversa com um conhecido meu. Falavámos de literatura, de Kafka a Machado de Assis, passando pelos filósofos e música popular. No meio de uma conversa comecei a falar de gênios como Rimbaud, Mallarmé, Leminski, Allan Poe... portanto sobre poesia.
O que me chamou a atenção foi algo que ele disse que ficou na minha cabeça a noite toda. O pragmático rapaz disse com seu falar racional: "a poesia, mesmo a marginal sempre terá um caráter fresco." Ah que triste afirmação ele disse!! talvez porque nunca leu Allen Ginsberg e nada de poesia beat, simbolista, fescenina, concreta... Aqueles deuses da linguagem que chocaram toda uma sociedade com seus versos e atitudes. Veja por exemplo em 1956. Recital de poesia com os escritores beatniks em um salão recheado de bebida e excentricidades. Quando Corso (aquele poeta que mais tarde numa noite de escessos incentivaria o roqueiro Jim Morrison a publicar seu livro) recitava seus textos em meio a reprovações de um bêbado lunático. Ginsberg educadamente pediu que ele fizesse silêncio. O estorvo não cessou seu dizer sem lógica. Allen novamente pediu por favor e nada. Revoltado ele perguntou ao bêbado o que ele queria e este repondeu que queria "nudez". O poeta então se desnudou por completo e o bebum sob vaias saiu sem graça do ambiente e Ginsberg ovaciondo pelo povo. Ou então numa noite enquanto se masturbava ele lia um verso do poeta-profeta-vidente William Blake que dizia isto:

Ver um mundo num grão de areia
E o céu numa flor selvagem
Segurar o infinito na palma de sua mão
E a eternidade numa hora.

Nesse momento o poeta beat ouviu a voz do próprio Blake dizendo esses versos e ele percebeu que deveria continuar nessa linhagem de poeta-profeta. Rimbaud abrigado pelo também poeta Verlaine viajou durante todo o dia numa mancha na parede sendo expulso da casa e passando a perambular por semanas com os mendigos da praça Maubert. Certa vez chegou a se enclausurar numa noite em um armário para aprender a falar árabe e alemão. É desse tipo de vivencia que necessitamos. "Não acredito em poeta experimental que não tem vida experimental." É preciso roubar o infinito, entrar e sair de todo sistema. Vomitar na mesmice seu mais secreto sentimento. É preciso viver, viver, mais do que isso viver, viver...

"O poeta se faz vidente por meio de um longo, imenso e refletido desregramentos de todos os sentidos. Todas as formas de amor, de sofrimento, de loucura; ele procura ele mesmo, ele esgota neles todos os venenos para só guardas as quintessências. Indizível tortura na qual ele precisa de toda a fé, de toda a força sobre-humana, onde ele se torna entre todos o grande doente, o grande criminoso, o grande maldito - o supremo Sábio! - Pois ele chega ao desconhecido!" Todo poeta deveria seguir na íntegra essa máxima de Rimbaud. Ser vidente. "O poeta é mesmo ladrão de fogo".

Marginal é quem escreve à margem,
deixando branca a página
para que a paisagem passe
e deixe tudo claro à paisagem.

Marginal, escrever na entrelinha,
sem nunca saber direito
quem veio primeiro,
o ovo ou a galinha.
Paulo Leminski

Agora escrevo a tão prometida lista dos dez livros de poesia contundente para iniciados nessa arte. Isso é pra você que falou que poesia sempre terá um caráter fresco.
Segue-se aí:

01- O Matrimônio do Céu e do Inferno -
Autor: William Blake.
Livro publicado em 1790.
Obra com caráter profético, de um escritor que preveu a morte de seu mestre em gravuras, e que aos nove anos de idade viu Deus da janela e anjos brincando nas árvores. Livro espiritualista com caráter pagão. É dele essa frase: "O caminho do excesso conduz ao palácio da sabedoria."

02 - As flores do mal -
Autor: Charles Baudelaire.
Obra datada de 1857.
Livro que contém 100 poemas que uma visão mórbida desnudando as atrocidades e desgraças do mundo em forma de versos. Sendo acusado de ultrajar a moral pública seus exemplares são apreendidos e obrigado a pagar uma multa. Influenciou toda a literatura que veio depois dele.

03 - Uma Estação no Inferno -
Autor: Arthur Rimbaud.
Escrito por volta de 1873.
Livro que retrata a fase de loucura e busca espiritual que Rimbaud viveu na primavera em Charleville (França). Gênio que abandonou a literatura aos 21 anos de idade vivendo uma vida
inimitável e intensa. Chegando a contrair uma febre tifóide por excesso de caminhar a pé. Foi também líder de um exército árabe, se apaixonou por uma nativa da Abissinia, trabalhou com armamento bélico, diz ter ouvido em sonho aos 16 anos de idade o deus Apolo dizendo para ele ser poeta e morreu aos 34 anos de idade, deixando um legado importante para a arte. Participou de várias viagens poéticas que influenciariam o século seguinte: viagens, drogas, verso livre, rebeldia... Um marco zero na literatura mundial.

04 - A hora do Ócio -
Autor: Lord Byron.
Escrito em 1807 pelo boêmio inglês influenciado toda uma sociedade, inclusive a segunda geração do modernismo ( o mal do século) com Álvares de Azevedo, Junqueira Freire e companhia.

05 - Eu -
Autor: Augusto dos Anjos.
Publicado em 1912.
Influenciado pelas idéias do filósofo pessimista Schopenhauer lança um livro de poesias dentro de uma estrutura clássica e visão mórbida. A faculdade de Medicina do Rio do Janeiro adotou seu livro devido aos termos científicos.
"Beija nessa boca que te escarra." Forte, profundo.

06 - Uivo -
Autor: Allen Ginsberg.
Publicado: 1955.
Um dos representantes da geração beat, seu livro choca fundindo budismo e sacanagem, espírito e carne. Recomendo. Uma porrada na alma.

07 - Antologia Poética -
Manuel Maria du Bocage.
Recomendo qualquer livro desse marginal por excelência. mas comecem com a antologia poética.
Muito bom!!

08 - Paranóia -
Autor: Roberta Piva.
Publicado em 1963.
Uma releitura tardia ( depois de 40 anos) de Paulicéia Desvairada de Mario de Andrade. Poeta xamã e orgiaco. Ele nos revela com seus versos uma São Paulo caótica e desesperada. Aqui o caos, devido a época, é mais exacerbado do que o Mário.
"Eu sou uma metralhadora
em estado de graça
eu sou a pomba-gira do absoluto."
Em uma de suas definições. Mistura de lirismo e palavrão.

09 - Faca Cega
Autor: Glauco Mattoso.
Herdeiro de uma tradição de Bocage, Gregório de Matos e Marquez de Sade esse livro revela o seu próprio desespero de ter ficado cego aos 40 anos de idade. Poeta importante na cena brasileira e mundial com mais de 3000 mil sonetos escritos, isso mesmo depois da cegueira.

10 - Gregório de Matos.
Achem qualquer livro desse cara. Poeta da colônia-Brasil. O mais marginal de todos.
Se não acharem nenhum, leiam o Boca do Inferno da Ana Miranda que tem ele e o frei Vieira de Souto como personagens. Chocou a sociedade, desafiou a igreja.

No mais é isso. Leiam, leiam
mas sobretudo vivam intensamente sem pudor, sem moral, sem regras, sem leis.

# 17 SÁDICO (1999)
(Glauco Mattoso)


Legal é ver político morrendo
de câncer, quer na próstata ou no reto,
e, p'ra que meu prazer seja completo,
tenha um tumor na língua como adendo.

Se for ministro, então, não me arrependo
de ser-lhe muito mais que um desafeto,
rogar-lhe morte igual à um inseto
na mão da molecada vai sofrendo.

Mas o melhor mesmo de tudo é o presidente
ser desmoralizado na risada
por quem faz poesia como a gente.

Ele nos fode a cada canetada,
mas eu, usando só o poder da mente,
espeto-lhe o loló com minha espada.

***

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