A porrada e o dia-a-dia. O delírio e a alienação. Um poeta com olhar delirante caminha por entre arranha-céus de concreto e putas vislumbrando a madrugada acaricia os homens com suas pernas peludas. "Um índio passeia pelo calçadão de Ipanema." Seu Ari "solta peidos horríveis, a memória não funciona." "A professora de piano deu a bunda e nunca mais pensou em homem". "O gordo ao meu lado não percebe nada." Eis aí "o poeta e o poema se apunhalando."
Rogério Tolomei Teixeira (Rogério Skylab) formado em letras e filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) vem ao longo de quase uma década chocando a cena musical com seus discos em forma de série (Skylab I, II, III, IV e por aí vai...) que beiram do trágico ao humor negro. Sempre irreverente proclama uma fusão contraditória, porém interessante: a junção que vai do conceitual ao popular. Seu interesse por paradoxos é o núcleo de sua arte. Uma mistura inusitada: de Franz Zappa a Tati Quebra Barraco como ele mesmo definira. Todavia suas canções sempre vagaram pelo campo da poesia. Baudelaire, Mallarmé, Rimbaud e Leminski. – Rimbaud?! Isso mesmo. Há uma vaga semelhança nesses dois poetas, profetas do caos, filósofos do cotidiano. Basta ler a "Carta dita do vidente" de Rimbaud direcionada a Paul Demeny em 15 de maio de 1871 e fazer uma analogia a poesia do carioca decendente de italiano Rogério Skylab e notar as diversas semelhanças. No final do texto do francês há um "segundo salmo fora do texto" chamado "Minhas pequenas namoradas". Nesse poema há uma analogia entre amor e violência muito forte. O erotismo está presente e em elevado grau. Leia alguns versos que você chegará a essa constatação, caro leitor. Há fortes exemplos disso.: "nos amávamos naquela época feiosa azul."; "uma noite me chamaste poeta loira feia: vem receber aqui o chicote de mão cheia"; "vomite tua brilhantina feiosa preta; você cortaria minha mandolina com tua careta"; "ruiva feiosa ainda infecciona a sacada do teu seio rosa!"; "coloquem algum recheio em vosso seio!"; "e é pra estas ninharias que tenho rimado! Queria quebrar suas bacias por terem amado!"; "Vocês morrerão em Deus chapadas de vis encantos!" Na música "Convento das Carmelitas" do Skylab o eu-lírico é um serial-killer que invade um convento e vai estrangulando as carmelitas uma por uma numa aritmética viril e alucinante. No poema de Arthur Rimbaud tem a mesma idéia de matemática. Percebe-se um acúmulo de números, uma ordem alquímica fantástica. Ele estrangula uma namorada, vomita na outra, chicoteia a terceira, uma atrás da outra, compulsivamente. Os números estão aí mas sem o lado racional que a matemática pede. Um salto a viagem, um mergulho nas profundezas do sonho.
No final de 2006 mais uma cartada: lança um livro de poemas. Sonetos que perambulam entre o cotidiano dessa ave rara da música popular brasileira. Um canto ao ócio e ao roubo. "Escrever poesia é furtar ao tempo um instante." Aí está a questão que todo escritor contemporâneo está atrelado. O trabalho árduo, estressante, escravatório: esforce-se, mutile-se, anula-se se quiser sobreviver! Com uma linguagem simples e certeira Rogério transita pela cidade do Rio de Janeiro roubando entre o tempo e o espaço seu dia-a-dia, pelo menos como ele acredita que seja. Um cotidiano manchado de cenas bizarras e triviais. A puta fazendo ponto na Lapa. O travesti massagista que transa com seu cliente amante de filosofia. O cara que se lamenta por nunca ter amado ninguém e invade a mente uma dúvida incrível: se seu pau é grande ou não. Ou a constatação do eu-lírico em perceber que não há sentido em ser poeta em terra onde poesia não vende. Para ele o quarto é o símbolo. A imagem "janelas fechadas" é extremamente importante. A preguiça e o ócio é uma negação a realidade, ao "capitalismo", ao pragmatismo e um louvor ao subjetivismo. O travesti a figura mais importante do mundo contemporâneo. Afirma que sua principal atividade é não fazer nada: "A coisa mais difícil que existi é provar para as pessoas que quando estou quietinho, deitado na rede, enrolando o cabelo, é o momento que estou mais trabalhando." Tudo se transforma em poesia. Desde as complexas questões primordiais da existência até mesmo as coisas mais banais possíveis como a masturbação e até mesmo os atos fisiológicos: urinar e defecar. Ácido como sempre afirma que seu "trabalho está ligado à posteridade". Na música o humor negro está bastante vivo, presente. Mas é em seu único livro publicado até então (Debaixo das rodas de um automóvel pela editora Rocco) que atinge sua maior obsessão: o trágico. Está totalmente fixado nessa idéia desde os primórdios de sua jornada artística. A sensação de estrago é tremenda. A explosão também. As vezes o desespero beira à ironia e a ironia em erotismo, sacanagem mesmo. "Se eu fosse Fernando Gabeira poderia contar as aventuras do exílio. Como não sou não sou vou pela avenida compondo absurdas poesias."
Rogério Skylab – filósofo, poeta, músico, crítico de cinema, performer, ex funcionário do Banco do Brasil, é um forte exemplo que o soneto está de volta,com uma roupagem mais atual, é claro, mas está de volta mais do que nunca, mostrando que a literatura contemporânea superou antigos traumas deixado pelos modernistas: não é preciso romper com o passado para criar o novo.
"A poesia não é serviço de utilidade pública." Não é simplesmente apenas escrever. È necessário viver em sua total plenitude como já havia ressaltado em outros tempos Charles Baudelaire, Lord Byron, Stéphane mallarmé e tantos outros deuses da linguagem. "A tragédia no palco não me basta mais, vou transportá-la para a minha vida". Antonin Artaud estava certo.
Rogério Skylab conseguiu.
Radinho de pilha
Num lapso de instante...
Como quem lê um livro
entre duas estações...
Escrevo rápido pra não dar na pinta.
Escrevo como quem rouba.
Sem chamar nenhuma atenção.
Como quem fabrica uma bomba.
No meio do serviço, sem que ninguém me veja,
eu escrevo nestes segundos fugidios.
O que me coube neste mundo, heim?
Furtar ao tempo o instante.
Encosta o ouvido.
Estamos na época da alta definição.
Escuta esse radinho de pilha.
Rogério Tolomei Teixeira (Rogério Skylab) formado em letras e filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) vem ao longo de quase uma década chocando a cena musical com seus discos em forma de série (Skylab I, II, III, IV e por aí vai...) que beiram do trágico ao humor negro. Sempre irreverente proclama uma fusão contraditória, porém interessante: a junção que vai do conceitual ao popular. Seu interesse por paradoxos é o núcleo de sua arte. Uma mistura inusitada: de Franz Zappa a Tati Quebra Barraco como ele mesmo definira. Todavia suas canções sempre vagaram pelo campo da poesia. Baudelaire, Mallarmé, Rimbaud e Leminski. – Rimbaud?! Isso mesmo. Há uma vaga semelhança nesses dois poetas, profetas do caos, filósofos do cotidiano. Basta ler a "Carta dita do vidente" de Rimbaud direcionada a Paul Demeny em 15 de maio de 1871 e fazer uma analogia a poesia do carioca decendente de italiano Rogério Skylab e notar as diversas semelhanças. No final do texto do francês há um "segundo salmo fora do texto" chamado "Minhas pequenas namoradas". Nesse poema há uma analogia entre amor e violência muito forte. O erotismo está presente e em elevado grau. Leia alguns versos que você chegará a essa constatação, caro leitor. Há fortes exemplos disso.: "nos amávamos naquela época feiosa azul."; "uma noite me chamaste poeta loira feia: vem receber aqui o chicote de mão cheia"; "vomite tua brilhantina feiosa preta; você cortaria minha mandolina com tua careta"; "ruiva feiosa ainda infecciona a sacada do teu seio rosa!"; "coloquem algum recheio em vosso seio!"; "e é pra estas ninharias que tenho rimado! Queria quebrar suas bacias por terem amado!"; "Vocês morrerão em Deus chapadas de vis encantos!" Na música "Convento das Carmelitas" do Skylab o eu-lírico é um serial-killer que invade um convento e vai estrangulando as carmelitas uma por uma numa aritmética viril e alucinante. No poema de Arthur Rimbaud tem a mesma idéia de matemática. Percebe-se um acúmulo de números, uma ordem alquímica fantástica. Ele estrangula uma namorada, vomita na outra, chicoteia a terceira, uma atrás da outra, compulsivamente. Os números estão aí mas sem o lado racional que a matemática pede. Um salto a viagem, um mergulho nas profundezas do sonho.
No final de 2006 mais uma cartada: lança um livro de poemas. Sonetos que perambulam entre o cotidiano dessa ave rara da música popular brasileira. Um canto ao ócio e ao roubo. "Escrever poesia é furtar ao tempo um instante." Aí está a questão que todo escritor contemporâneo está atrelado. O trabalho árduo, estressante, escravatório: esforce-se, mutile-se, anula-se se quiser sobreviver! Com uma linguagem simples e certeira Rogério transita pela cidade do Rio de Janeiro roubando entre o tempo e o espaço seu dia-a-dia, pelo menos como ele acredita que seja. Um cotidiano manchado de cenas bizarras e triviais. A puta fazendo ponto na Lapa. O travesti massagista que transa com seu cliente amante de filosofia. O cara que se lamenta por nunca ter amado ninguém e invade a mente uma dúvida incrível: se seu pau é grande ou não. Ou a constatação do eu-lírico em perceber que não há sentido em ser poeta em terra onde poesia não vende. Para ele o quarto é o símbolo. A imagem "janelas fechadas" é extremamente importante. A preguiça e o ócio é uma negação a realidade, ao "capitalismo", ao pragmatismo e um louvor ao subjetivismo. O travesti a figura mais importante do mundo contemporâneo. Afirma que sua principal atividade é não fazer nada: "A coisa mais difícil que existi é provar para as pessoas que quando estou quietinho, deitado na rede, enrolando o cabelo, é o momento que estou mais trabalhando." Tudo se transforma em poesia. Desde as complexas questões primordiais da existência até mesmo as coisas mais banais possíveis como a masturbação e até mesmo os atos fisiológicos: urinar e defecar. Ácido como sempre afirma que seu "trabalho está ligado à posteridade". Na música o humor negro está bastante vivo, presente. Mas é em seu único livro publicado até então (Debaixo das rodas de um automóvel pela editora Rocco) que atinge sua maior obsessão: o trágico. Está totalmente fixado nessa idéia desde os primórdios de sua jornada artística. A sensação de estrago é tremenda. A explosão também. As vezes o desespero beira à ironia e a ironia em erotismo, sacanagem mesmo. "Se eu fosse Fernando Gabeira poderia contar as aventuras do exílio. Como não sou não sou vou pela avenida compondo absurdas poesias."
Rogério Skylab – filósofo, poeta, músico, crítico de cinema, performer, ex funcionário do Banco do Brasil, é um forte exemplo que o soneto está de volta,com uma roupagem mais atual, é claro, mas está de volta mais do que nunca, mostrando que a literatura contemporânea superou antigos traumas deixado pelos modernistas: não é preciso romper com o passado para criar o novo.
"A poesia não é serviço de utilidade pública." Não é simplesmente apenas escrever. È necessário viver em sua total plenitude como já havia ressaltado em outros tempos Charles Baudelaire, Lord Byron, Stéphane mallarmé e tantos outros deuses da linguagem. "A tragédia no palco não me basta mais, vou transportá-la para a minha vida". Antonin Artaud estava certo.
Rogério Skylab conseguiu.
Radinho de pilha
Num lapso de instante...
Como quem lê um livro
entre duas estações...
Escrevo rápido pra não dar na pinta.
Escrevo como quem rouba.
Sem chamar nenhuma atenção.
Como quem fabrica uma bomba.
No meio do serviço, sem que ninguém me veja,
eu escrevo nestes segundos fugidios.
O que me coube neste mundo, heim?
Furtar ao tempo o instante.
Encosta o ouvido.
Estamos na época da alta definição.
Escuta esse radinho de pilha.
Rogério traz um vislumbre de intimidade artificiosa, encontrada criativamente no âmago de uma cultura da tela que ele supera e carrega. Grande poeta!
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