Dois poetas se apunhalando, se desnudando, se revelando. Almas submersas no vazio. Deuses perdidos em volúpia e sarcasmo... Arcanjos suicidas, profetas do caos...
o poeta devassado no caminho... entre uma madrugada e outra, entre um pesadelo e outro, na solitude roubando versos no Nada...
Trocando terríveis experiências, o "poeta menor" revela ao "poeta maior" suas dores, suas loucuras, frustações e seus dias à beira da Morte. O iconoclasta perdido entre a corda bamba do desejo e da espiritualidade. Ser morto na imobilidade da existência humana tendo apenas no amor a linguagem, no delírio, na fuga tão desejada e no sexo a válvula de escape fantástica.
Em resposta ao "poeta menor" o "poeta maior" (Glauco Mattoso) revela sua dor e se diz impressionado ao notar que o rapaz além de insubmisso é um sobrevivente. Glauco nunca teve a experiência de ficar dias com a boca no vaso vomitando, dormindo no banheiro vítima de uma cirurgia errada e de uma existência vã, afundado durante um ano nos braços voluptuosos da Morte. Mas em compensação quantos paus teve que chupar para sasciar a sede de moleques que detinham de uma saúde melhor que a sua? Quantos pés chulepentos lambeu sentido o fedor trespassar por entre dedos de micose? Quanta dor sentiu ao ver apenas a escuridão e nada mais?
Entendo seu desespero, rio de sua dor, me regogizo em sua infinita escuridão...
Eis o email de resposta que esse ladrão das palavras me enviou:
Glauco MattosoEnviada:
sexta-feira, 18 de setembro de 2009 5:22:25Diego, o que você me conta foi dose mesmo. Não gosto de comparar sofrimentos, pois ninguém leva vantagem, mas, se eu passei por umas dez cirurgias com anestesia geral, não cheguei a correr os riscos fatais que você correu; por outro lado, você ainda enxerga. Enfim, espero que você tenha superado esses problemas físicos e mantenha uma saúde minimamente estável. O que posso fazer é isso, continuar lhe enviando livros e zines, que nos permittem viajar e desabafar. Até! GLAUCO
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COMUNICADO À COMUNIDADE
Setembro/2009 - O ensaísta português Pedro Lopes de Almeida, estudioso da obra mattosiana, com quem este poeta mantém correspondência,aproveitou a ocasião, em que o traslado dos restos mortais de Jorge deSenna ocupa o noticiário daquele país, para encaminhar a Mattoso, como refresco da memória, o poema abaixo, que obviamente não poderia escapar a uma parafrase em soneto, colada logo a seguir.
O DESEJADO TÚMULO
Numa azinhaga escura de arrabalde
haveis de sepultar-me. Que o meu túmulo
seja o lugar escuso para encontros.
Que o jovem desesperado e solitário
vagueando venha masturbar-se alí;
que o namorado sem um quarto aonde
leve ao castigo a namorada, a traga
e a force e a viole sobre a minha tumba;
que o invertido venha ajoelhar-se
à beira dela ante quem esperma vende,
ou deite abaixo as calças e se entregue,
as mãos buscando apoio nessa pedra.
Que bandos de malandros alí tragam
a rapariga que raptaram, e
a deixem la estendida a escorrer sangue.
Que as prostitutas reles, piolhosas,
na lage pinguem corrimentos quando
a pobres velhos se venderem lá.
E que as crianças que brincando venham
jogar à minha volta, sem pisar nos cantos
a trampa mais cheirosa do que a morte
e que à memória humana de azinhagas,
alí descubram, mal adivinhando,
as nódoas secas do que foi violência,
ou foi desejo ou o que se chama vício
e as lavem rindo com seu mijo quente
a rechinar na pedra que me cobre
(e regressem um dia a repetí-las).
25/12/1970
Jorge de Senna (in "Visão Perpétua", 1982)
SONETO PARA OS RESTOS DE JORGE DE SENNA [17/9/2009]
No túmulo em que Senna está sepulto
quer ele que o moleque toque bronha,
que o namorado de castigo ponha
a moça, alí estuprada sem indulto.
Que o puto chucro e que o malandro estulto
alí forniquem sem sequer vergonha.
Que alí se beba e fume até maconha.
Que o satanista faça alí seu culto.
Mais pede Senna aos vivos: que a criança
vadia nessa pedra deite o mijo,
zombando de quem nunca alí descansa.
Com ele estou de acordo! Eu próprio exijo
na lápide que deixem, de lembrança
gravando, a sola suja e o falo rijo!
GLAUCO MATTOSO
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