quarta-feira, 25 de novembro de 2009

VERMES NO SOVACO

Enquanto ao cárcere do mundo me limito
em ser apenas um poeta cheio de vícios
me transfiguro, me humilho vendo
sujar minha face as sete chagas de Cristo.

Uma agonia traiçoeira dessas que invadem a alma
brotam no meu peito. Na bronha faleço.
Sei que nada vejo a não ser as chagas
que corroem minha alma, me xingam, me matam.

No mato solitário, no breu e sem cachorro
choro atrozmente como uma criança chora.
Dinheiro, emprego, família, tudo tenho

só a paz que não vejo faz tempo.
Numa necessidade filosófica passo horas a fio
dormindo em ventres desnutridos.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

EJACULAÇÕES POÉTICAS




Desprendendo-se do céu como uma abóboda de reflexos a própria existência ensanguentada enfileirada numa redoma de cristal grita seu último suspiro de paz e ventura rumo aos desejos incertos, o amor distante, a vida além do que se vê. Ninguém move montanhas. Movemos toneladas de concreto com o falo ereto, a mente em frangalho, o peito baleado, a poesia crua e chula contra todas as ordens. Somos o resultado do cansaço, das olheiras fundas devassada sobre livros e livros perdido em coxas lascivas das deusas da noite. Pintor de mão calejada. Alma submersa em volúpia e transgressão. Eis o que a história nos negou. O princípio e o fim. Poeta de chinelo perdendo a compostura, o ritmo e a forma. Há uma certa nojeira em tudo que nos rodeia. Me sinto uma prostituta de marca maior. Uma verdadeira prostituta. Uma puta devassa. Corrupto ladrão dos próprios princípios. Sêmen esgotando a última hora do dia do último mês da última morada de Deus. Percebo que o desespero não será mais um amante no dia que conseguir ler o paraíso de Dante. A última parada dos 3 inframundos. Beatriz sempre será uma ilusão. O inferno é bem aqui. Em minhas vísceras, minhas axilas.

"Ser um homem sério sempre me pareceu algo muito nojento." "Foi pelo ócio que eu, em parte, cresci." Como em um rio turvo na direção contrária com os punhos cortados a frase fixa em meu inconsciente. Vomitar, se expor mostrando todas as chagas, toda a epiderme, feridas que nunca cicatrizam. Que diga a minha barriga! Baudelaire então nem se fale. A embriaguez da humanidade faz festa nas minhas entranhas. Bagos em uso constante. Mergulhar num abismo sem volta. O amor inspira a sociedade e violenta a própria sociedade com suas mentiras e mesquinhez. Dar o cu em troca de dinheiro. Corromper no serviço em troca de dinheiro. Vender-se em troca de dinheiro. Se gentil em troca de dinheiro. Ser sorridente em troca de dinheiro. Mover-se e mover-se em troca de dinheiro, dinheiro, dinheiro. Enfim morrer para que outros vivam. Eu choro enquanto você, caro leitor, ri de minha dor sádica. Cansado. O peso das pálpebras sufoca minha alma. Arranco minhas roupas todas, tenho sede violenta, inunda minha face de lágrimas e tesão; é apenas o sono nas horas erradas. Pintor de mão calejada. Um dia segurarei num pincel sem o peso dos calos... As horas trabalhadas me impossibilita ser um artista plástico equilibrado, sou um excêntrico. Abraçarei minha mãe sinceramente e direi: "TUDO ACABOU! TUDO ACABOU! ESTOU LIVRE!!" e logo perceberei que tudo valeu a pena, que os porres nas noites turbulentas foram apenas doces delírios e os desencontros meros acasos da existência.

Imobilidade. Palavrinha chata essa que me persegue a alguns anos. Tudo se perde no palimpsesto da memória. A unidade. A bela tríade. O kama Manas insano. Filosofias e orgias. Nietzsche em campos devastados. Torres de ametista. Shakespeare e Tati Quebra barraco enterrados no meu âmago. Tornei-me um exímio sadomasoquista. Nada mais me atinge... apenas esse cansaço... esse pungente cansaço... as grades da prisão... esse cansaço... esse cansaço... Se esquecer em infindáveis putarias assim como os feceninos. 6-9 / 6-9. Peito no falo, falo na boca. Punhetas e Kant. Dostoiévski, grande mistério. Escrevo contra o tempo. Contra Deus e contra o homem. Principalmente contra mim mesmo. Deus é a mentira na face da verdade. Com a mão construímos castelos, com a mente destruímos dogmas. João de Aruanda amo-te mais que o vinho, tanto quanto a poesia! A língua ácida-ardente dos malditos. De Bocage a Rimbaud, passado por Baudelaire, Edgar Allan Poe, Bukowski, Mallarmé, Augusto dos Anjos, Allen Ginsberg, Lautréamont, Genet, Gregório de Matos, Byron, Blake... e tantos outros.

"O homem que faz sua prece, pela noite, é o capitão que põe sentinelas. Pode dormir."
Durmo sim... no ônibus, serviço, nos diversos cursos de arte e filosofia, nos bares, zonas vulgares e depois de uma boa trepada!...
Pintor sem mão, poeta sem mente... cansaço me corroendo, destruindo tudo que ainda permanece em pé, intacto.

Poeta de chinelo perdendo o fio de meada.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

O "POETA MAIOR" EM RESPOSTA AO "POETA MENOR"

Dois poetas se apunhalando, se desnudando, se revelando. Almas submersas no vazio. Deuses perdidos em volúpia e sarcasmo... Arcanjos suicidas, profetas do caos...
o poeta devassado no caminho... entre uma madrugada e outra, entre um pesadelo e outro, na solitude roubando versos no Nada...

Trocando terríveis experiências, o "poeta menor" revela ao "poeta maior" suas dores, suas loucuras, frustações e seus dias à beira da Morte. O iconoclasta perdido entre a corda bamba do desejo e da espiritualidade. Ser morto na imobilidade da existência humana tendo apenas no amor a linguagem, no delírio, na fuga tão desejada e no sexo a válvula de escape fantástica.

Em resposta ao "poeta menor" o "poeta maior" (Glauco Mattoso) revela sua dor e se diz impressionado ao notar que o rapaz além de insubmisso é um sobrevivente. Glauco nunca teve a experiência de ficar dias com a boca no vaso vomitando, dormindo no banheiro vítima de uma cirurgia errada e de uma existência vã, afundado durante um ano nos braços voluptuosos da Morte. Mas em compensação quantos paus teve que chupar para sasciar a sede de moleques que detinham de uma saúde melhor que a sua? Quantos pés chulepentos lambeu sentido o fedor trespassar por entre dedos de micose? Quanta dor sentiu ao ver apenas a escuridão e nada mais?

Entendo seu desespero, rio de sua dor, me regogizo em sua infinita escuridão...

Eis o email de resposta que esse ladrão das palavras me enviou:

Glauco Mattoso

Enviada:
sexta-feira, 18 de setembro de 2009 5:22:25


Diego, o que você me conta foi dose mesmo. Não gosto de comparar sofrimentos, pois ninguém leva vantagem, mas, se eu passei por umas dez cirurgias com anestesia geral, não cheguei a correr os riscos fatais que você correu; por outro lado, você ainda enxerga. Enfim, espero que você tenha superado esses problemas físicos e mantenha uma saúde minimamente estável. O que posso fazer é isso, continuar lhe enviando livros e zines, que nos permittem viajar e desabafar. Até! GLAUCO

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COMUNICADO À COMUNIDADE

Setembro/2009 - O ensaísta português Pedro Lopes de Almeida, estudioso da obra mattosiana, com quem este poeta mantém correspondência,aproveitou a ocasião, em que o traslado dos restos mortais de Jorge deSenna ocupa o noticiário daquele país, para encaminhar a Mattoso, como refresco da memória, o poema abaixo, que obviamente não poderia escapar a uma parafrase em soneto, colada logo a seguir.

O DESEJADO TÚMULO

Numa azinhaga escura de arrabalde
haveis de sepultar-me. Que o meu túmulo
seja o lugar escuso para encontros.
Que o jovem desesperado e solitário
vagueando venha masturbar-se alí;
que o namorado sem um quarto aonde
leve ao castigo a namorada, a traga
e a force e a viole sobre a minha tumba;
que o invertido venha ajoelhar-se
à beira dela ante quem esperma vende,
ou deite abaixo as calças e se entregue,
as mãos buscando apoio nessa pedra.
Que bandos de malandros alí tragam
a rapariga que raptaram, e
a deixem la estendida a escorrer sangue.
Que as prostitutas reles, piolhosas,
na lage pinguem corrimentos quando
a pobres velhos se venderem lá.
E que as crianças que brincando venham
jogar à minha volta, sem pisar nos cantos
a trampa mais cheirosa do que a morte
e que à memória humana de azinhagas,
alí descubram, mal adivinhando,
as nódoas secas do que foi violência,
ou foi desejo ou o que se chama vício
e as lavem rindo com seu mijo quente
a rechinar na pedra que me cobre
(e regressem um dia a repetí-las).

25/12/1970

Jorge de Senna (in "Visão Perpétua", 1982)

SONETO PARA OS RESTOS DE JORGE DE SENNA [17/9/2009]

No túmulo em que Senna está sepulto
quer ele que o moleque toque bronha,
que o namorado de castigo ponha
a moça, alí estuprada sem indulto.

Que o puto chucro e que o malandro estulto
alí forniquem sem sequer vergonha.
Que alí se beba e fume até maconha.
Que o satanista faça alí seu culto.

Mais pede Senna aos vivos: que a criança
vadia nessa pedra deite o mijo,
zombando de quem nunca alí descansa.

Com ele estou de acordo! Eu próprio exijo
na lápide que deixem, de lembrança
gravando, a sola suja e o falo rijo!

GLAUCO MATTOSO

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